O Retirante

O riacho secou e virou estrada
A chuva esperada há muito não vem, 
O nordestino confia, "ergue o olhar" em prece
Pedindo que venha, esperança ainda tem. 


Mas o Sol inclemente, tudo extermina
As plantas, o gado, já não resta nada,
O nordestino confia, "ergue a voz" em prece
Pai Amoroso ajude, estou sob a vossa guarda. 


Dia após dia, a comida escasseia
Assiste impotente os filhos a chorar com fome, 
O nordestino confia, "ergue as mãos" em prece
Piedade Pai, olha por nós, em vosso nome. 

Um ano se passa e a chuva não vem 
Seu gado morreu, sua barriga murchou, seu olhar
entristeceu, 
Como abandonar a terra tão querida
E deixar para trás tudo que é seu?


Olha seus filhos que são só  pele e osso 
Chama a mulher que tem outro no bucho,
Murmura baixinho, sentindo vergonha  no falar
Vamos embora, derrota não é coisa pra macho. 


E assim começa a longa caminhada
Naquela terra não se vê uma viva alma, 
Calor  escaldante, passos trôpegos vão andando
 E a cada passo, a cabeça rodopia, traz calma. 


Mais uns dias  naquela andança e ele deixa 
Dois filhos debaixo de uma cova rasa,
E segue sem chorar, o coração virou pedra
Calado, cabisbaixo, junto a mulher, em busca de mata.


Ás vezes tem visões onde ele vê 
Muita comida, fartura sem igual, 
Cachoeira, muita água escorrendo
Um campo verde, um extenso matagal. 


Caminhando sem destino, mais adiante
Vê a mulher de barriga, desfalecer, 
E sem ânimo , sem poder levantá-la
Fica a seu lado, assistindo-a  morrer.


Sozinho recomeça, o coração sangrando
A goela seca, faz com que fique mudo, 
De  revolta, de dor, sua mente trabalha
Terá alguém mais infeliz que eu nesse mundo? 


Eis que de repente, sente um leve toque
Alguém ali pertinho, vem lhe ajudar,
Afaga-lhe a cabeça e sua sede sacia
Vem irmão,vim para te levar, vem descansar.


Sente-se leve de repente, o corpo flutuando
Como se lhe tirassem uma carga pesada, 
O nordestino olha em torno, vê sua família 
Que vem abraçá-lo, na Pátria espiritual amada.


Depois de uns dias ele é esclarecido 
Por que motivo passou por prova tão cruel, 
Tinha que nascer no sertão do Nordeste e assim 
Saldar suas dívidas em taça de fel. 


Esta poesia é  integrante  do Livro O Voo  do Condor  ( 2004 )




1 comentários:

Irmã Jane,eu como nordestino li esse lindo texto(poesia) e me identifiquei muito com ele(a). Lembro-me do livros que li na minha adolescência chamado "Vidas Secas", acho que do autor Graciliano Ramos, onde narra a vida de uma família de retirantes que não tendo mais nada para comer, tem que sacrificar um pequeno papagaio de estimação para se alimentarem e, até a cadela que eles levavam consigo se devorou os pequenos ossinhos que sobraram.
Abraços
Milton

 

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