No pescoço ele tinha uma argola
Pesada, feita de ferro, que lhe feria,
Pés, braços, e a boca imobilizada
Impedia-lhe de falar o que sentia.
Seu olhar perdido vagava bem distante
Procurando fugir da dura realidade,
Dessa vida cruel de negro fugitivo
Sofrendo castigo por querer a liberdade.
Como era feliz, quando jovem e liberto
Em sua Pátria, a distante África,
Onde vivia com família e amigos
E passava os dias em eterna festa.
E agora fraco ali se encontrava
Sentindo pouco a pouco a vida fugir,
As dores insuportáveis faziam-no sentir
Que pouco restava da vida a fluir.
Desencarna e se vê pairando sobre o corpo
Leve, tranquilo, imune da dor,
Observa "aquela veste" que usou tanto tempo,
E sorri com alegria, sentindo muito amor.
A Entidade de Luz ali presente
Segura sua mão e seguem volitando,
Encaminham-se a imenso hospital
Não reconhece com quem vai se encontrando.
Naquele lugar quieto e relaxante
O escravo descansou por certo tempo,
Sendo cuidado por mãos amigas e boas
Que o seu perispírito restaurou a contento.
Após estar equilibrado e sereno
Foi levado a uma tela e um projetor,
E alí viu desenrolar-se o drama
Do qual ele era o principal ator.
Viu-se em outro corpo, século XVI
De belo porte, rico europeu
Que no Brasil ganhara muitas terras
Vindo aqui residir, no que era seu.
A Casa Grande era suntuosa
Pois devia acolher a nobre figura,
A prepotência, o orgulho, o egoísmo
Era o lado obscuro dessa criatura.
Viu-se dando ordens e castigando
Os pobres negros sem nenhuma piedade,
Todos tremiam na sua presença
Que exalava só pura maldade.
O desenrolar daquelas cenas cruéis
Tocou o mais íntimo do antigo escravo,
E ele chorou, chorou, e orou contrito
Por todos os seres que ele tinha magoado.
Na tela o mostrava desencarnando
E em outra encarnação, como escravo retornara,
E sofrera na pele com seus irmãos de cor
O sofrimento que em outra vida causara.
Agora entendia a causa do seu tormento
Porque passara anos em tamanha aflição,
Compreendia a necessidade da justiça
Do perdão, do arrependimento, da reparação.
Agradecia ao Pai benevolente e justo
Por tanta misericórdia que recebera,
Pelas desculpas das faltas cometidas
E das dívidas que um pouco resgatara.
Aquele espírito outrora vicioso e infeliz
Tinha agora em sua mente, uma meta,
De procurar ajudar a todos os irmãos
Que desejassem seguir a estrada reta.
Esta poesia é integrante do Livro O Vôo do Condor ( 2004)
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