AMBIÇÃO



Corriam felizes pelo campo, eram como duas crianças inocentes. Aproveitavam o dia de verão europeu, pois suas tardes são longas e o sol aquece a terra com seus raios iluminando com alegria, ao mesmo tempo, o coração dos jovens e dos anciãos.
Chamavam-se Rosa e Maria, eram muito amigas, como se fossem irmãs, desde pequeninas se queriam muito bem. Rosa, um pouco mais velha, contava 18 anos. Maria um pouquinho menos, apenas 16 aninhos. Estavam as duas na época dos sonhos, das ilusões, dos devaneios, pensando o que seriam de suas vidas no amanhã que não tardaria a chegar.

Rosa e Maria, é bom sabermos, nasceram e foram criadas naquela aldeia distante da cidade grande. Suas vidas se resumiam ao trabalho na terra, ir à missa nos domingos na pequena capelinha da aldeia. Os passeios se resumiam em andar pelos campos admirando as flores, sentindo o cheiro dos eucaliptos e dos pinhais.

Nossa história começa nesse dia tão importante para todos os moradores daquele vilarejo, que é a festa da padroeira da terra, Nossa Senhora da Conceição, e os festejos para esse dia há muito estavam sendo programados.
Nesse dia, as duas amigas põem suas melhores roupas e após a missa e acompanharem a procissão pelas ruas da aldeia, voltam a suas casas, pois eram vizinhas. Deparam, então, com um jovem moreno claro, olhos castanhos, porte garboso. Ao mesmo tempo, o coração das duas jovens começou a bater aceleradamente.Quem seria aquele moço tão bonito, e tão bem vestido?
Aproximaram-se e o pai de Rosa lhe falou:

- Manoel, quero que conheças minha filha Rosa, e essa aqui é a Maria sua amiguinha e nossa vizinha.
O rapaz estendeu a mão para as duas cumprimentando-as e lhes endereçando, ao mesmo tempo, um sorriso sedutor, quero dizer, que o tornava mais atraente e simpático.
Ao mesmo tempo Manoel, que era moço falante e bom de prosa, explicou às jovens que viera passar uns dias ali na casa de um amigo que conhecera em Lisboa, quando o mesmo estudava lá e tinham feito amizade nessa época. Manuel agora estava cumprindo a promessa que fizera ao amigo de visitá-lo e passar uns dias consigo.

Dito isso, todos já se sentiam amigos e ali não se encontrava mais nenhum estranho, pois quem é amigo do meu amigo, meu amigo é - assim diz o ditado português, e assim aconteceu.
Nos dias após a festa da padroeira, a vida não voltou à monotonia de antes para Rosa e Maria, pois tinham Manoel para conversar e lhes contar histórias sobre a cidade grande e suas novidades.
Assim se passaram três ou quatro dias, em que as duas amigas se sentiam como se estivessem num sonho. Rosa então, não conseguia mais ter um sono tranqüilo, pois a imagem do moço não lhe saia da mente. Pensava nele o dia todo, no trabalho, nas horas de oração, ao deitar.
Era como se de repente tivesse tomado de assalto a sua vida, a sua mente e o seu coração.
      
Capítulo II
     
Maria também gostava da companhia do rapaz. Ele era alegre, aparentemente feliz, bem diferente dos moços da aldeia, fechados, que não deixavam transparecer nada do seu íntimo. 
 
E Manoel? Que sentia ele diante de tudo que estava vivenciando? Para ele era uma novidade estar naquele lugar sossegado, quase parado, sem movimento. Ele que estava habituado a festas, as noitadas, as serenatas no bairro do Chiado,  em Lisboa. 

Como a vida lá era diferente da aldeia! Se contasse a seus amigos ninguém acreditaria. Mas, mesmo assim, estava gostando daquele sossego, daquela paz, e muito mais do olhar meigo da Maria, daqueles lindos olhos azuis, dos cabelos aloirados que ele não cansava de admirar enquanto conversava com as amigas. 
 
Manoel achava Maria diferente de todas as outras moças que conhecera. Ela era tímida, nunca tinha tido um namorado e nem falava em namoros e outros assuntos. Ficava quase sempre calada ouvindo-o falar, e muitas vezes Manoel surpreendia seus olhos brilhando de curiosidade com as revelações que ele fazia de um lugar diferente.
Os dias transcorreram rápidos. Na véspera da sua partida de volta a Lisboa, Manoel resolveu abrir seu coração para Maria apesar da sua pouca idade. Aproveitando um momento que Rosa havia entrado na casa por alguns momentos, ele confessou a Maria, a grande admiração que sentia por ela, e ao mesmo tempo perguntou se era correspondido nessa amizade. 

Uma felicidade enorme tomou de pronto o coração da jovem e timidamente lhe falou que desde que o vira pela primeira vez, o tinha amado. Mas, não podia deixar transparecer para não magoar sua melhor amiga, Rosa, pois a mesma lhe tomara por confidente e lhe dissera da grande paixão que estava sentindo por ele.
Manoel ficou muito feliz, pegou-lhe as mãos, as beijou e lhe falou que no dia seguinte iria falar com os pais de Maria a fim de tornar o namoro sério com o apoio da família. Ficou tudo acertado entre os dois. 

Rosa, chegando de volta ao terraço, escutou toda a conversa que os dois tiveram. Seu coração, que era só bondade, de repente se tomou de uma revolta, o orgulho ferido, de raiva, de sentimentos inferiores que ela nunca tinha sentido. Que se passava no íntimo dessa jovem? Amor não correspondido é sofrimento demais para quem está com a cabecinha repleta de sonhos e ilusões. 

Mas isso não podia ficar assim, cismava Rosa. Ela tinha que procurar dar um jeito para que Manoel a olhasse com outros olhos, de apaixonado. E assim, apareceu no terraço da casa sorridente, aparentando não saber nada, do que estava ocorrendo. Os dois apaixonados ainda sentiram vontade de falar-lhe naquele momento, contar-lhe a decisão que tomaram, porém sabedores dos sentimentos de Rosa, resolveram calar e nada falar, pelo menos no momento, para não a magoar. 
 
Ao final da noite, Manoel se despediu de Maria com um olhar apaixonado e com a certeza que no dia seguinte resolveriam suas vidas, seus destinos. Já ia sair de volta à casa do amigo para dormir quando Rosa lhe pediu: 
- Manoel, pode me acompanhar até minha casa? E ele para não ser indelicado lhe falou:
- Pois não.
E lá se foram à casa vizinha. Já na porta da casa ela falou:
- Estou sem sono, será que podemos conversar mais um pouquinho? Já estou sentindo saudades de você antes da sua partida e o olhava com um olhar carregado de paixão.  Como quem não quisesse fazer crítica, encaminhou o assunto para a pessoa da sua amiga Maria e falou:  

Capítulo III
          
- Maria, já notou como ela é tímida? É só aparentemente. Ela me conta seus mais íntimos segredos, e desde os 14 anos que ela é apaixonada por um moço da terra que estuda em Coimbra. Como ele estuda muito, só veio uma vez aqui depois que foi para lá. Mas eles prometeram se unir um ao outro logo que ele se forme, o que não está distante, pois faltam  só poucos anos  que isso se dê. 
 
Manoel escutava admirado tudo aquilo. Maria lhe parecera tão sincera, tão pura de sentimentos, em quem acreditar?  E Rosa continuou: 
- Já aconselhei Maria a falar desse amor que eles sentem um pelo outro para o resto da família, mas ela diz que é preciso esperar o momento certo. Eu penso diferente. Quando amo, amo de paixão, me dou completamente. Olha Manoel quero ser bem sincera com você. Desde o primeiro instante que lhe vi, desejei que você fosse meu e quis ser sua. Por você seria capaz de ficar contra tudo e contra todos, nada para mim é empecilho quando busco a minha felicidade. 

E ao mesmo tempo em que pronunciava essas palavras Rosa se insinuava junto ao rapaz. Sua pele, seu cheiro, sua beleza, o calor da noite, a proximidade, os dois sozinhos, tudo contribuiu e a cabeça de Manoel começou a rodar vertiginosamente. 
Rosa sentia tudo que se passava com aquele jovem e aproveitando aquele momento, num ímpeto lançou os braços ao redor do pescoço dele e aproximou seus lábios rosados da sua boca. Foi inevitável o beijo que trocaram, seguidas de intensas caricias cada vez mais ardentes e ali mesmo aquela noite, no terraço, enquanto os pais dormiam serenamente, Rosa efetivou o que tinha planejado com tanta rapidez e astúcia. 
 
Lá pelas duas da madrugada, Rosa entra furtivamente em casa e Manoel ainda desnorteado com tudo aquilo que tinha acontecido ia a caminho de casa do amigo para se recolher, pensando: 
- Oh Senhor Deus, que fiz de minha vida! Não era isso que queria para meu futuro. Não é Rosa que desejo para minha mulher e sim a Maria que verdadeiramente amo. Como pude me levar pela tentação, como pude me desviar do rumo que tinha traçado para mim e Maria? 
 
No leito, vira-se de um lado para outro sem conseguir conciliar o sono. E agora o que fazer? Naquela aldeia as pessoas todas se conheciam, era diferente da cidade grande. A reputação da jovem Rosa teria que ser sempre de uma integridade a toda prova. Ela se dera por amor e ele como cavalheiro teria que corresponder à altura do seu bom senso e da sua moral. 
- Agora - pensava - tenho que em vez de falar logo mais com os pais de Maria como pretendia, terei que selar compromisso com Rosa, dando conhecimento aos seus pais do ocorrido entre nós.
           Capítulo  IV 
Chegara a manhã clara, brilhante, e o nosso Manoel de olheiras profundas, pois não dormira à noite , logo se encaminhou à casa de Rosa. Resolveria tudo naquele momento, não adiantava adiar o que deveria ser feito. 

Chamou os pais da moça e lhes falou o que acontecera com toda a sinceridade e ele, juntamente com a família, marcaram  o casamento para dali a um mês, tempo de correr os proclamas na capela do lugar e de prepararem  a roupa da noiva e a festa que os pais queriam lhes oferecer. 
 
E assim partiu Manoel naquele dia para Lisboa, sem procurar Maria para se desculpar do seu gesto, sem nem mesmo uma palavra de despedida. Sentia-se envergonhado da atitude tomada e do gesto impensado. 

Deixara naquela aldeia seu destino traçado. Na data marcada retornaria para o casamento e nesse espaço de tempo teria que providenciar uma série de coisas necessárias a sua nova vida de homem casado. 
Um turbilhão de pensamentos, ora bons, ora ruins, passavam pela sua mente. Se não fosse um homem de caráter, Manoel pensava, talvez nem mais voltasse aquela aldeia, aquela gente. E Maria, pensava, como seria tudo dali para frente, seus sonhos, tudo estava desfeito.

Manoel era professor de uma faculdade. Não ganhava muito, porém com seu salário ele conseguira até então, manter-se mais ou menos bem. Divertia-se .O que ganhava dava muito bem para as festas e passeios que sempre estava a fazer.
Porém agora ele teria que aumentar a sua renda, pensava. Mais uma pessoa para sustentar, já que Rosa não tinha uma profissão e sem estudo tudo era muito difícil para que ela conseguisse alguma colocação. 

Por isso depois de muito refletir sobre o assunto, resolveu falar com um amigo que procurasse divulgar que ele daria aulas extras particulares a fim de aumentar sua renda e assim respirou mais aliviado. 
 
Saiu imediatamente a procurar um cômodo mais espaçoso para alugar onde coubesse um casal e assim pouco a pouco as providências começaram a serem tomadas. 

Passaram-se os dias, um mês se completou, a data estava marcada, e naquele dia especial na vida de Rosa e marcante na vida de Manoel, a trama do destino se desencadeava vertiginosamente. 
 
A cerimônia foi simples. Mesa farta, todos os amigos e parentes de Rosa estavam presentes na cerimônia, a festa. A noiva sorridente e feliz se sentia deslumbrada com a possibilidade de poder residir em Lisboa e poder usufruir do conforto, dos avanços que existem numa cidade grande. 
 
Amava Manoel, pensava ela, enquanto dizia o sim em frente ao altar, e eles seriam felizes, mesmo ela sabendo que Manoel apenas se casava por ser um homem de bem e não a deixar falada naquela aldeia. Da boca do povo da aldeia ninguém se livrava, sabia ela. 
 
Às vezes sentia pena da Maria, sua amiga de tantos anos, mas ela teria sua vez. Algum moço se interessaria por ela, era muito bonita e sua chance de sair daquele lugar também apareceria. Assim pensando, acalmava sua mente pela traição que fizera com a amiga. 
Dera-lhe a notícia do seu casamento no dia que o Manoel partiu, e procurou não demonstrar tomar conhecimento do amor existente entre os dois. 
 
Finda a cerimônia, a festa e tudo nos conformes como se costuma dizer, logo no dia seguinte partiram para Lisboa, Manoel e Rosa. Este apreensivo com a rapidez dos acontecimentos, e Rosa deslumbrada em se ver longe dali e sonhando com tudo novo que iria vivenciar. 

           Capítulo  V

Chegados a capital, foram de trem até próximo do lugar onde iriam residir. Era uma casa enorme e a senhora D. Deolinda, proprietária, alugava quartos para casais e para solteiros com direito a comida, e ali se instalaram. 
 
Com o transcorrer dos dias, Rosa notou que sua vida era muito monótona. Manoel saia pela manhã para o emprego e de lá mesmo ia dar suas aulas particulares só chegando à noite, muitas vezes cansado e com pouca vontade de falar. Só desejava descansar e dormir. O tédio começou a se apoderar da jovem. 

Que vida é essa que estou levando? Sou bonita, assim todos me falam, os homens me olham com desejo quando passeio pelas ruas,  pensava. Fico nessa casa o dia todo só esperando Manoel chegar todos os dias, será que essa é a vida que desejei?  

Assim, esses pensamentos foram incutidos na mente de Rosa e logo ela começou a fazer pequenos passeios sozinha. Pedia dinheiro a Manoel dizendo da necessidade de comprar alguma coisa e aproveitava para passear enquanto ele trabalhava. Assim fazendo ele não reclamaria e não precisaria saber de nada. 
 
No inicio foram passeios inocentes, somente pela curiosidade conhecer lugares, as praças, os museus... 
Rosa cada vez mais preenchia o dia nessas caminhadas descobrindo o modo de viver das mulheres que ela observava, cheias de enfeites de ouro nas orelhas, no colo, nos pulsos. Como ela desejava também possuir tudo isso! Seu maior desejo era ser muito rica, muito feliz, viajar bastante, ir a teatros, concertos, tudo que ela ouvia falar e não conhecia. A vida  que levava  não a satisfazia de maneira alguma e quando à tardinha voltava apressada para seu quarto de casal, ficava pensativa a elaborar um meio, um plano, para conseguir dinheiro e poder. 
 
Assim se passaram seis meses. Manoel trabalhando incansavelmente a fim da manutenção dele e da mulher,  e Rosa com seus pensamentos completamente atordoados planejando o que fazer da vida. 
 
Foi numa tarde de domingo que Rosa começou a sentir tonturas, uma moleza no corpo e assim andou por uns dias, até que falando com o Manoel este a aconselhou a procurar o médico e assim se deu. 
Depois de examiná-la o senhor doutor deu-lhe o diagnóstico que para muitas mulheres faria dar pulos de alegria. 

-Rosa, você está grávida! Essas tonturas são normais no seu estado e deves voltar mensalmente aqui para continuarmos cuidando da evolução do bebê. 
 
A surpresa de Rosa foi grande, nem tinha cogitado ter um filho tão depressa, e já estava grávida tão cedo, tudo tão inesperado... 

À noite, com a chegada de Manoel, ela lhe deu a notícia e notou que os olhos dele brilharam de felicidade. Um filho! Ia ser Pai! Que maravilha senhor! Agradecia a Deus essa benção de poder cuidar do futuro de uma criança e nem por um momento passou pela sua mente, os encargos, do trabalho que ele teria que enfrentar para cuidar daquele ser que ele já amava tanto.   

           Capítulo VI 
Vamos dar um salto no tempo. Os anos se passam. Encontramos o nosso jovem com quinze anos, rapaz bonito de porte elegante e nesse momento ele fala ao pai: 
- Meu pai, desejo tanto conhecer a aldeia e a família de minha mãe que lá mora.Você sempre me promete levar e vai adiando, adiando... Vamos até lá pai. Aproveitamos suas férias e viajamos está bem? 
E o olhava com carinho e admiração.
Manoel não sabia recusar nada aquele garoto e então lhe respondeu: 
- Está bem filho, fala com tua mãe e iremos rever a gente da aldeia agora nas minhas férias, passaremos o mês todo descansando por lá. 

Assim que o filho lhe falou da viagem, Rosa se preocupou. Ela não queria retornar a aldeia nem para visitar sua família. Não se imaginava passando um mês ali naquele lugar sem atrativos. 

Contava agora, trinta e três anos de idade. Estava com um corpo bonito, belo na madureza da sua idade e sua experiência de vida. Não era mais aquela garota boba, era sim uma mulher de mente imaginativa, mente fértil. 
Resolveu explicar ao marido e filho que eles deveriam ir sozinhos e o motivo que deu é que a senhoria, proprietária do quarto era muito apegada a ela, e como estava doente, acamada, ela precisaria ficar para auxiliá-la no que fosse necessário. 
Depois de relutar um pouco, Manoel e Carlos, seu filho, compreenderam o gesto da Rosa e até elogiaram ela ser tão dedicada a uma pessoa que não era nem parente.
E assim poucos dias depois partiram rumo a aldeia com o propósito de passarem lá todo o mês de Abril. 
 
No trem ainda em viagem, o pensamento de Manoel deixou-se divagar lembrando da Maria, como estaria ela. Deveria estar com trinta e um anos, teria casado com o rapaz que ela gostava, como lhe contara Rosa? 
 
Afinal, chegaram, e o reencontro dos familiares foi muito bom para Manoel e para Carlos que agora já conhecia todos pessoalmente e não só pelo nome como antes. O ambiente estava muito feliz e a acolhida foi a melhor possível. 
Durante todos aqueles anos vividos em Lisboa, Manoel não esquecera Maria. Ela ficara na sua mente e no seu coração como um sonho lindo que não pudera ser concretizado. Nas noites insones costumava lembrar aquele rosto meigo, aqueles olhos que demonstravam uma pureza d’alma muito grande. 
 
Tinha procurado durante todo esse tempo, pensava Manoel, cuidar da família com o maior desvelo. Porém, não poderia dizer que era feliz, porque a maneira de ser dele e de Rosa eram completamente diferentes, não havia sintonia de pensamentos. Ele procurava compensar tudo isso se dedicando ao filho, tendo longas conversas para que se tornassem amigos verdadeiros.


                                                                    Capítulo VII
           
Sentado na varanda da casa do sogro, Manoel olhava a mata, os eucaliptos formando uma floresta fechada e muito verde. Um cheiro gostoso recendia no ar e nesse enlevo ele ouviu uma voz muito doce a chamar: 
         -Manoel!
         -Maria!
Seus olhos se abriram mais, pois ali estava a mulher amada depois de tantos anos distantes um do outro. Ela parou e ficaram conversando. A emoção daqueles dois seres era muito grande durante esse reencontro, mas procuravam disfarçar para não haver constrangimento de ambas as partes. 

Eles ainda se amavam, essa é que era a verdade. Amor escondidinho lá dentro do peito, sem demonstrar a ninguém, mas ardente e nunca esquecido. 
Manoel perguntou-lhe se ela tinha casado e ela respondeu que não. Não pretendia se casar por que sofrera uma desilusão quando muito jovem e nunca mais confiaria em homem algum. 

Manoel abaixou o olhar e pensou: Ela está se referindo a mim, culpa-me pela irresponsabilidade dos meus atos e está coberta de razão. 
Procurou mudar de assunto, mas intimamente sentiu-se feliz em saber que ninguém ocupara seu coração. Nesse ponto era egoísta sim, pensava ele, se ela lhe falasse que amava outro o seu sofrimento seria muito maior. 
 
Manoel pensava: O que sentira por Rosa fora uma paixão de momento, agora olhando para Maria sentia que aquele amor calmo, tranqüilo, sereno, é o que desejaria para ter em sua vida. 
 
Calou todos aqueles sentimentos e mudou o assunto da conversa. Falou-lhe do filho e da sua vida em Lisboa, procurando obter notícias de todos ali e nesse bate-papo levaram um bom tempo e depois se despediram. 
         -Até mais ver.
         -Até logo.

Deixemos nossos amigos levando a vida na aldeia e voltemos a acompanhar todos os sentimentos íntimos da Rosa. 
Ela naquele dia se sentia plenamente livre para fazer o que bem entendesse. Estava em pleno vigor físico, com saúde, e aproveitaria para se divertir como nunca, pois durante todos aqueles anos ela vivia uma vida dupla, podemos assim dizer, de aparências... 

Tivera vários amantes, flertes, e sempre conseguira ocultar brilhantemente do marido e também do filho a sua real personalidade. E agora pensava ela, vou me divertir sem medos, sem receio de nada, enquanto estão segregados naquele mato. 

Amava o filho, mas sabia que ele estava bem com Manoel e precisava aproveitar muito bem aquele mês. Por isso logo pela manhã telefonou para Rodolpho e marcou um encontro para dez horas num café e correu para se arrumar e se tornar mais atraente para seu amado. 

Rodolpho era um senhor de cinqüenta e quatro anos, viúvo, dono de grande fortuna, já com três filhos casados e que levava a vida a usufruir  dos prazeres  que o dinheiro farto  proporciona. 
 
Vivia sempre arrodeado  de garotas  novas e belas  que faziam com que ele  se sentisse mais jovem , e o excitava  chegando ao máximo do prazer. As vezes Rodolpho  perguntava a si mesmo, por que ainda tinha encontros com Rosa. Eles já tinham um relacionamento de mais de dois anos, tempo onde houve discussões, ciúmes, volta, tudo por causa do ciúme da Rosa. 

Ele lhe oferecera muitos presentes valiosos, jóias, vestidos, que ela deixava sempre escondido por que só podia usar quando saia na ausência do marido.
Rodolpho achava a Rosa muito bela, com seus trinta e três anos, madura, aprendera a se vestir, a falar melhor, embora não possuísse nenhuma cultura, nem estudo. Ele procurava fazer com que ela aprendesse um pouco de artes, música, etc. 
Rodolpho sabia e sentia, pela sua experiência de vida, o que Rosa desejava. Ela gostaria de residir com ele naquela grande mansão que possuía, cheia de criados para lhe servir num estalar de dedos, repleta de obras de arte e tapetes caríssimos. Sabia também que ela adoraria viajar com ele para outro país, conhecer pessoalmente todas as maravilhas de outras terras, que ele já conhecia e que transmitia para ela em longas conversas. 

Tinha a certeza que não a amava, porém gostava da sua companhia e tinha pena da situação dela, vivendo com um marido que não lhe amava nem ela a ele. 
 
Às dez horas foi ao encontro da Rosa e sorriu intimamente lisonjeado em notar como ela tinha se preparado tão lindamente para o encontro.   


                                                                      Capítulo  VIII
             
Rosa estava realmente muito bela, sentia-se livre e feliz e isso dava a sua pele e seus olhos uma luminosidade sem igual. 
Aproximou-se de Rodolpho, enlaçou seus braços ao seu pescoço e beijou-lhe longamente a boca, a aspirar aquele cheiro bom de limpeza e de produtos da melhor qualidade que ele sempre usava. Era sua marca pessoal, sempre bem vestido e com um cheiro agradável que a entontecia. 
 
Depois de alguns minutos entraram no automóvel e ele sugeriu: 

Estou sabendo que teu marido viajou, assim como teu filho, e estou pensando. Que tal fazermos uma viagem à Alemanha, aceitas? Passaríamos um mês maravilhoso, passeando e usufruindo tudo de bom e do melhor. Bem sabes que o dinheiro para mim não é problema. É só você dizer que sim e pegaremos um avião amanhã mesmo e ficarás maravilhada com as belezas que verás nesse país. 
 
Rosa não pensou duas vezes, mentalmente ela foi formulando um plano para explicar sua ausência em casa, caso o marido ou o filho telefonasse e então falou: 
Podes providenciar tudo Rodolpho, iremos sim à Alemanha. É uma oportunidade que surge e não posso recusar, e assim os dois amantes começaram a planejar a viagem e as providencias que seriam tomadas logo naquele dia. 

Às vezes, as atitudes impensadas das pessoas tornam o destino delas diferente do que havia sido programado na espiritualidade, e ali estava Rosa a dar mais um passo no caminho errado, esquecendo do seu lar, dos seus deveres de mãe de família.
Assim que chegou a sua residência procurou Deolinda, dona da pensão. Já a conhecia muito bem e sabia que por um bom presente ou umas moedas ela a ajudaria no plano que arquitetava. 
 
Falou com a mesma e lhe pediu ajuda, seu trabalho seria muito simples, falava Rosa. Caso o marido telefonasse durante sua ausência ou o seu filho, era só lhes dizer que ela tinha ido ajudar uma pobre velhinha sua amiga que muito necessitava e procurar convencê-los da sua integridade moral e do seu bom coração. Um mês passaria rápido e quando eles retornassem ela já se encontraria em Lisboa novamente e em casa. Portanto não havia motivo de se preocupar com nada. Tudo daria certo, era só pensar nos mínimos detalhes. 
 
Depois de lhe explicar tudo minuciosamente, Rosa ofereceu a Deolinda uma bela pulseira de ouro, o que fez com que aquela mulher, possuidora de seus segredos, da sua vida dupla, continuasse calada e procurasse obter os favores da sua protegida.
Assim no dia seguinte partiu Rosa com Rodolpho para a Alemanha como tinham combinado. 

Chegaram a Berlim e os dias transcorriam maravilhosos, jantares, compras, era tudo como Rosa sempre tinha imaginado, um sonho realizado. 
 
Já se encontravam ali há cinco dias, hospedados num hotel luxuoso, quando uma noite que tinham saído para espairecer e admirar as vitrines, Rodolpho e Rosa viram um jovem ser agredido por um grupo de rapazes. Parecia uma gangue, pois batiam impiedosamente naquele moço e Rodolpho instintivamente foi de encontro a rapaziada para ajudar o rapaz, porém nesse momento  uma lâmina  surgiu do bolso de um deles e o atingiu  em cheio num ponto vital deixando-o caído ali mesmo  naquele momento. 
 
Rosa que tinha procurado ajudar o amante  foi espancada  e deixada caída na rua  sem a sua bolsa  que continha  seus pertences  e seus documentos. 
 
A polícia chegou minutos depois encontrando Rodolpho morto esfaqueado, Rosa desfalecida e em estado grave pelas pancadas  que recebera e o jovem todo machucado. Os dois últimos foram levados ao hospital  a fim de serem medicados. 
 
Que infelicidade!  Rosa não sabia falar nada de alemão ou inglês, apenas o português. Quando acordou sentiu-se atordoada. Que lugar seria aquele? Pouco a pouco confusamente  as lembranças  foram voltando e o medo se  apoderou  dela. 
 
O que fazer naquele país, sem conhecer ninguém, sem compreender nada daquela língua. Oh Deus que situação me encontro, ajuda-me pensava ela. 
 
Em nenhum momento Rosa  pensou nos desatinos  que andava praticando durante esses anos e reclamava  sempre achando que Deus não era justo por ela estar passando  por tal situação. 
 
A polícia chegou e fez-lhe perguntas. Ela não respondia, achava melhor ficar calada, uma porque não sabia  o que perguntavam, outra por medo, um medo terrível  de todos eles. 
 
Assim é que depois de cinco dias naquele hospital, já se achando melhor, resolveu  sair discretamente  numa tarde de visitas , sem ser notada.   

           Capítulo  IX 
Ali estava ela na rua, sem dinheiro, sem documentos, sem saber o que fazer da sua vida e chorou,chorou muito e foi  andando  se afastando  cada vez mais  daquele hospital. 
 
A  noite chegara  e ela continuava andando, as pessoas passavam  por ela apressadas sem lhe  dar atenção. Ela andava sem rumo certo, pois não imaginava o que fazer para sair dali. Nesse momento pensava  no seu lar seguro, onde ela tinha amigos e agora o que fazer? Para onde ir? 
 
Seus passos levaram-na para uma estrada de ferro, chegou a uma estação, sentou e pensou ali  descansar um pouco. A noite fria a incomodava, a fome  e também não ter onde dormir. Seu olhar percorreu toda a estação, mulheres acompanhadas ou sozinhas  entravam  nos vagões referentes  ao destino  que pretendiam  ir, e ela  ficava.Um trem vinha e partia, um após outro e ela ali. 

Um homem, já era muito tarde,há muito a observava. Fala-lhe algo que ela não entende, oferece-lhe através  de um gesto um sanduíche para comer. Não suportando mais a fome Rosa aceitou e lhe endereçou um olhar  agradecido. O homem pega sua mão e por gestos  procura fazer que ela tenha confiança e que deseje segui-lo. 
 
Ela só pensa em uma cama para dormir e ficar tranqüila, agora já se arrepende até de ter deixado o hospital. 

O homem encaminha-se para um motel barato ali perto da estação, faz com que ela suba as escadas e lá dentro, oculto de outras  pessoas dá vazão aos seus instintos. Joga-se em cima da Rosa enfurecidamente tentando um contato sexual  e isso faz  com que ela grite.Ele tapa-lhe a boca com uma das mãos e com a outra vai realizando  seus intentos baixos e vis. 
Após meia hora deixa-a estendida ali sobre a cama e joga-lhe algumas  moedas e sai. A dor da  Rosa é muito grande, a humilhação sofrida é demais para ela.Sente-se como a última das mulheres , desce correndo  as escadas  e acha-se novamente  em plena rua, sem saber que destino tomar. Sente no íntimo um medo tão intenso  de todos  e de tudo  ao seu redor que por momentos  fica paralisada. Após alguns instantes  recomeça  a andar partindo para o lado oposto  de onde tinha estado, e assim andando sem rumo certo percorreu um trecho longo. 

O dia já clareava quando chegou a uma plantação, parou um pouco e resolveu encostar-se  no tronco de uma arvore, tudo estava deserto e não se via nem ouvia nada, ela respirou aliviada. 
Que dia oh Deus! Quanto sofrimento! Por que tudo isso estava acontecendo, em poucos dias  como sua vida tinha se transformado! 
 
E ali sentada sob a árvore amiga e acolhedora Rosa pensava: E meu filho, quando chegar da aldeia e não me encontrar o que pensará de mim? 
 
E o Manoel o que vai pensar a meu respeito , irá descobrir todo meu passado. 
 
Estava sentindo-se gelada, o frio intenso e suas roupas  rasgadas, fazia que se sentisse muito desconfortável. Pensou tenho que ir em frente  até encontrar abrigo. Avistou uma estradinha estreita  de terra batida  que não sabia onde ia dar  e por ela caminhou... 
Sentia-se fraca, mas a vontade de caminhar  sempre em frente, nem mesmo ela sabia  porque, fazia que tomasse  mais coragem  e assim prosseguia. 

Após uns  dez minutos, viu uma bela casa, com jardins extensos  e ao ser observada  notava-se  o amor  que era cuidada, pois as árvores eram podadas  e tudo denotava  a limpeza e o bom gosto de quem ali morava. 
 
Ficou a contemplá-la  durante alguns minutos quando nesse instante  ouviu  latidos  de  cães  se  aproximando  e repentinamente  os viu surgir  na sua frente  avançando  em sua direção latindo furiosamente.O pavor se estampou na face da mulher  com a chegada daqueles dois cães enormes  e furiosos, mas no mesmo instante se ouviu uma voz forte  de comando que em língua desconhecida para ela, fizeram com que os cães  se aquietassem. 

Eles foram se acalmando, enquanto o seu dono olhava  para aquela pobre mulher, toda suja, com as roupas rasgadas, tremendo de frio  e de semblante  sofrido e maltratado. 
 
Ela olhou-o  suplicante  e com lágrimas  nos olhos lhe pediu: Ajude-me, não suporto mais. Ao mesmo tempo tinha medo de sofrer  nas mãos  daquele homem  o que tinha  suportado  com o de antes. 
 
O homem olhou-a e ficou surpreso  pelo sotaque  e pela língua  que ela tinha falado, e ele nesse instante lhe perguntou: Quem é você? Ela exclamou admirada, graças a Deus, encontrei alguém  que vai me entender, você fala português como eu. 
 
Raphael Klaus  era alemão, filho de  mãe portuguesa  e de pai alemão. Falava bem as duas línguas, a de seu pai e do pais da sua mãe pois esta lhe ensinara  desde pequeno, conversando sempre em casa com ele a fim de matar  as saudades  da sua terra. 
Klaus vivia ali sozinho. Seus pais moravam em uma pequena cidade no interior do pais e ele gostava de viver naquele lugar. Recanto abençoado  dizia ele, pela natureza , pelas flores , pela paz que sentia. 
 
De tempos em tempos quando a saudade apertava, Klaus ira rever seus pais velhinhos, mas sempre retornava  ao seu lar que ele amava. Foi ali naquela casa  que ele nascera  e que ajudado pelos criados ,que eram verdadeiros amigos, permanecia.
Rosa fitava aquele homem e sem mesmo saber  como, uma crise de choro a tomou, não conseguia parar de soluçar. Estar com alguém  que iria entender  o que ela falava  era uma felicidade sem igual. 
 
Klaus, homem experiente, entendeu o sofrimento  que estava passando  aquela mulher  e lhe falou: 
 
Mulher, não sei quem és, mas levanta-te e vamos até minha casa para poderes descansar  um pouco  e refazer  dessa jornada. Depois conversaremos  e veremos o que poderei fazer  para te ajudar. Dizendo-lhe isto , estendeu sua mão. Rosa ergueu-se , tomou sua mão entre as suas e com lágrimas escorrendo dos seus olhos, beijou-lhe  as mãos  profundamente agradecida. 
 
Esse gesto sensibilizou-o  e amparando-a  caminharam até a entrada  da sua residência  onde ele chamou:
- Hertha, vem depressa, uma mulher precisa de ajuda. 

E de lá de dentro  uma senhora de rosto corado e de grandes olhos azuis , com um sorriso  bondoso  no olhar, surgiu atendendo  a seu chamado. Ela era para Klaus  como uma segunda mãe, tratava-o como a um filho. 
 
Klaus pediu  a Hertha que preparasse um bom banho  e roupas limpas  para aquela mulher. Logo após pediu refeição para ela e disse que a acompanharia  à mesa a fim de saber quem era e como tinha vindo parar em lugar tão distante e em suas terras. Assim foi feito.

                                                                    Capítulo X
          
Rosa após tantos dias de sofrimento, encontrou-se num quarto acolhedor. Hertha deu-lhe para vestir após o banho uma saia e blusa um pouco larga demais para ela. Mas isso era algo que ela nem notava, sentia-se feliz, protegida, amparada  pela bondade  e paz reinante naquele lugar.

Assim, depois de arrumar-se  um pouco desceu as escadas  que davam na grande sala de jantar, atravessou-a e parou numa grande varanda  onde havia mesas e cadeiras. Ali Klaus gostava de fazer as refeições  olhando a paisagem  a sua volta, suas flores, o fechado arvoredo, isso lhe dava  uma satisfação  interior muito grande.
Raphael Klaus  era um homem  de quarenta anos, louro de olhos azuis de transparente bondade, alto, podemos dizer que era um belo homem tanto internamente quanto externamente.

A aproximação de Rosa estendeu-lhe a  mão, indicando aonde deveria  sentar e pediu-lhe  que não fizesse cerimônia e procurasse  satisfazer  seu organismo, que depois  teriam tempo de conversar melhor.
Rosa fez a refeição com grande apetite. Depois de tantos dias tumultuados, ali onde se encontrava  era para ela um oásis de paz e serenidade.

Enquanto comia de cabeça baixa, Klaus a analisava  bem  e sentia um imenso carinho por aquele ser humano  sofrido, magoado, e tão desesperançado  que ali estava a sua  frente. Acompanhou-a  num copo de leite quente e após falou-lhe:
Rosa procura desabafar  e conta-me tua história, como vieste parar  aqui, tão distante da tua terra? Confia em mim que farei o possível para retornares a tua família, podes ter certeza disso.
Rosa sentiu-se envergonhada  com aquelas palavras, com o oferecimento  de uma amizade  onde não tinha  conhecimento  de quem era realmente um e outro e exclamou:

Vou ser sincera Klaus e lhe contar tudo que se passou comigo. E olhando firmemente  para Klaus, Rosa lhe falou que tinha chegado  a Alemanha  para passar um mês  na companhia de um amigo, contou os problemas que  sofrera, mas omitiu  que era casada, que tinha um filho e toda a história  que antecedera  a sua ida à Berlim.

Sabia representar muito bem, seu rosto aflito, fez com que o moço com seu coração bondoso, sentisse  imensa  piedade e lhe falou:
Vieste para passar um mês, ainda tens quinze dias mais ou menos pela frente, poderás ficar aqui  como minha hóspede  e dentro de poucos dias  tirarás novos documentos, veremos  o que podemos fazer por você. Sossega, descansa, se quiseres comunicar-te  com alguém  podes usar  o telefone  avisando  do que aconteceu  e breve estarás  retornando.

Rosa agradeceu e falou que ia telefonar  para uma velha tia  com quem vivia para que ela não ficasse preocupada, caso ela demorasse a retornar.
E continuaram a conversar, até o momento de se recolherem. No dia seguinte resolveriam melhor o que fazer.

                                                                  Capítulo XI

Chegou o amanhecer e depois de fazerem a primeira refeição juntos saíram pelos campos a caminhar e o moço lhe falou da necessidade que ela tinha de roupas novas e que tinha resolvido que iriam juntos fazer compras naquele dia. 
Não precisava se preocupar com a parte financeira, pois ele, além daquelas terras seria o herdeiro de seus pais e nunca tivera problemas com dinheiro. Era de família tradicional, sempre vivera no luxo, no conforto, toda aquela abundância sempre lhe parecera natural, pois vivia só de rendas.

Naquela noite deitada em sua cama Rosa sorria feliz. Apesar dos sofrimentos que passara, agora estava ali sendo recebida com tanto carinho, e pensou, relembrou mentalmente a figura de Klaus.
Como seria bom se pudesse ficar naquela casa, viajando, conhecendo outras pessoas e não levando a vidinha monótona e triste, medíocre mesmo, ao lado do marido. Nesse momento veio a mente a imagem do seu filho, o Carlos, ele era a pessoa que mais amava nessa vida, porém sempre fora mais ligado ao pai do que a ela. Com Manoel Carlos tinha diálogos, sorrisos, cumplicidade. Para ela somente o dia a dia, a figura da mãe que devia ser, lavar, cuidar da casa, etc.

E Rosa pensava: ela deveria telefonar para Deolinda dando noticias suas ou não?
Bem, não tinha decidido ainda como agir e resolveu deixar esses problemas para o dia seguinte para resolvê-los.

O dia amanheceu friorento, vento seco. Rosa despertando, correu a se ajeitar lembrando da promessa de Klaus de passearem e fazerem compras nesse dia. Assim tudo passou como um sonho. O casal passeou, fizeram lanche, mais tarde almoçaram e voltaram a casa somente à noite, felizes como se conhecessem há bastante tempo. 

A seriedade de Klaus deu lugar a um brilho no olhar e uma satisfação íntima muito grande. Seria só por estar ajudando alguém? Assim os dias foram passando naquela propriedade.

Voltemos à pequena aldeia onde se encontravam Carlos, Manoel, e Maria. Ali também outro drama se desenrolava. O amor de Maria por Manoel retornou com uma força maior, ou melhor, não podemos dizer que retornou porque ele estava apenas adormecido durante todos aqueles anos. Com a presença do amado, toda a ternura e o amor transpareceram. Seu rosto era só felicidade e Manoel sofria por não poder tê-la junto a si como desejava.

Os dias transcorreram. Passara-se quase todo o mês de férias, Manoel tinha telefonado várias vezes para a hospedaria e D. Deolinda tinha lhe falado de uma pequena viagem para outro bairro que Rosa havia feito. Já ligara várias vezes e não conseguia falar com ela. Estava achando tudo muito estranho. Não falou nada para o Carlos para não assusta-lo, mas realmente era algo preocupante porque quinze dias sem falar com ele e o filho. O que estaria acontecendo com ela?

Manoel procurou desviar pensamentos estranhos de sua mente e assim voltou a usufruir daqueles dias felizes junto a Maria e Marcos. Sentia que tinha tantas coisas a conversar, a falar de tantos sonhos e procurava desviar todo o pensamento que não fosse só para coisas boas.

E assim os dias foram correndo e chegou o dia da volta a Lisboa de retorno ao lar. Carlos, corado e feliz sentia saudades da mãe e ansioso estava em revê-la. Manoel já sentia antecipadamente as saudades de seu verdadeiro amor, Maria. Não lhe falara claramente desse amor durante aqueles dias, mas o amor não precisa de palavras, ele transparece no olhar, num gesto, numa atitude. 

E Manoel e Maria por serem almas bastante espiritualizadas sentiam atração, a sintonia existente entre eles, mesmo sem precisarem se expressar verbalmente.
Havia decorrido um mês e agora no trem que os levava de volta ao lar conversavam animadamente Marcos e o Manoel. Lembrando que o lar é sempre lar e ansiosos para retornarem a seu cantinho.

Ao chegarem na estação em Lisboa, pegaram um táxi e logo se viram à frente da hospedaria. Entraram e D. Deolinda veio ao encontro com uma expressão preocupada a dar as boas vindas.
E a Rosa? Por que não está aqui? Perguntou Manoel.

Deolinda titubeou um pouco e lhe respondeu: Ah Sr Manoel, a Rosa precisou ir a outro bairro ajudar a uma pessoa e não voltou por esses dias, não sei o que terá acontecido. Não deu mais notícias, nem telefonou e o pior é que não pude procura-la por não ter endereço do lugar aonde ela foi.

Marcos empalideceu. Alguma coisa não estava bem, sua mãe não ia deixar a casa assim de uma hora para outra e da mesma maneira pensava Manoel. Procurou, no entanto, ficar calmo por causa do filho e foi desarrumar as malas e falou: - Marcos fique calmo que vou conversar com D. Deolinda, saber direitinho o que está se passando.Vou até esse lugar buscar sua mãe .

Alguns minutos depois foi até Deolinda e pediu para que ela não escondesse nada, que deixasse tudo muito claro a fim de que ele pudesse encontrar Rosa onde ela estivesse.
- Preciso, dizia ele, saber nos mínimos detalhes o que realmente está acontecendo.Vejo a senhora extremamente nervosa como a querer ocultar-me algo, é verdade o que penso? Que nem tudo está claro nessa história? Por favor, conte-me a verdade, pois a minha cabeça está a ferver com tantos pensamentos desencontrados.

                                                               Capítulo   XII
           
D. Deolinda olhava para Manoel e sentia imensa piedade por aquele homem. Era um bom homem sim, não merecia o que tinha passado e as desilusões que ainda estava por vir, mas ela agora não sabia mais como ocultar toda a situação que já se desenrolava há tantos anos e que ela procurava ignorar pensando: a vida é deles, e eles é que têm de se preocupar, não eu.

Sentia-se encostada na parede, como se diz, e teve naquele momento que revelar a Manoel toda a verdade sobre seu casamento com Rosa. Falou-lhe da dupla personalidade da mulher, da vida de aparências que ela vivia, dos amantes que tivera e que ele nunca desconfiara, e por último que essa ausência se dera por motivo da mesma ter viajado para a Alemanha com o Sr Rodolpho, viúvo milionário da qual era amante. 
E o pior é que uma semana depois que eles tinham viajado, ela lera no jornal a notícia da morte do Sr Rodolfo em um problema de assalto e que sua acompanhante, uma mulher muito bonita, estava no hospital muito ferida. O jornal não dava o nome da mulher, mas deduzi Sr Manoel que devia ser Rosa. É bem provável que ela tenha morrido também, senão já teria dado notícias dela para o senhor e o Marcos, assim falou Deolinda.

Manoel olhava aquela mulher e tudo ia ficando claro aos seus olhos. Como tinha sido cego, não tinha notado o que se passava no seu lar durante anos e anos. 
- Oh Deus isso só pode ser um castigo, como pude ser tão idiota, não compreender nada?
E assim pensava: - D.Deolinda tem razão, se ela não mandou notícias é porque tinha morrido. Como explicar a seu filho toda essa situação? 

Pediu ajuda ao alto para lhe orientar, como passar a notícia e o que dizer a Carlos, pois seria uma desilusão muito forte dizer a seu filho querido como era realmente a personalidade de sua mãe.
Pensando unicamente no bem estar de Carlos, Manoel resolveu contar a seguinte história: Que sua mãe, a Rosa, teria viajado para a Alemanha com uma amiga da D. Deolinda e que em Berlim tinha sofrido um assalto vindo a falecer e que teria sido sepultada lá mesmo, e eles Manoel e Carlos como não tinham posses para fazer tal viagem, deviam se conformar em não solicitar a transferência do corpo de Rosa para a sua terra. E assim depois de muito pensar Manoel falou com Carlos desse assunto.

O rapaz chorou muito, mas Manoel tentava consolá-lo enaltecendo a boa pessoa que sua mãe sempre fora e que agora ela deveria estar em bom lugar como diziam aos padres que orientavam os fiéis todos os domingos.
E assim os dias continuavam a correr. O tempo na para e a vida continua seu ritmo, unindo e separando pessoas, levando às vezes a caminhos antes nunca imaginados.

À noite Manoel se remexia no seu leito, insone, a lembrar de todos aqueles anos, de como tinha sido enganado pela Rosa e automaticamente seu pensamento volta-se a aldeia em busca de Maria.
Uma doce paz invadia o ser. Aquele amor sim é que o verdadeiro, pois acalma, enternece, e é duradouro, pois não arrefeceu com o passar dos anos.E Manoel pensava, pensava, divagando como seria bom se Maria estivesse com eles ali, todos juntos, formariam uma verdadeira família.

E assim tomou uma resolução. Deixaria passar umas semanas, ou melhor, um mês e escreveria a Maria contando o que acontecera omitindo alguns detalhes é claro, pois não poderia colocar na carta detalhes  mais íntimos  do caso, e procurando fazer-lhe a proposta  se ela aceitaria  vir residir  em Lisboa  junto a ele e Carlos.

Depois falaria  com o filho, pensava Manoel, e tinha  quase certeza que ele aceitaria, pois nos dias passados  na aldeia  os dois  tinham se tornado  bom amigos  e confidentes. E assim pela manhã, Manoel  levantou-se  bem disposto  com ideais  novos  e querendo  esquecer  o passado  infeliz  e retomar  uma vida  com a qual sempre sonhou  ao lado da amada.    

                                                                 Capítulo XIII
           
Deixemos Manoel com seus sonhos e voltemos a Berlim, encontrando rosa e Klaus num ambiente descontraído e aparentemente feliz. Klaus pensava o que fazer para ajudar Rosa, aquela pobre mulher, tão infeliz, e sofredora. 
Esta podemos dizer, daria para trabalhar como atriz, pois conseguia fazer com que ele acreditasse em tudo que lhe contava. 
 
Assim é, que Klaus a pedido de Rosa não procurou as autoridades competentes para saber sobre o que fazer com a perda dos documentos dela, pois a mesma tinha receio de vir notícias de Portugal dando-a como casada e tudo que ela planejava iria se desmoronar. 
 
Não pretendia voltar para seu país.Ali estava bem. Klaus era imensamente rico, embora de gostos simples, era crédulo, confiante e isso faria com que ela mais facilmente pudesse realizar o planejado. 
 
Sugeriu ao Klaus numa tarde que não desejaria voltar e se seria possível conseguir nova documentação, mesmo com outro nome e outra nacionalidade, mas que ela pudesse permanecer em Berlim. 
 
Klaus já sentia antecipadamente a separação, o quanto iria sofrer longe daquela mulher, se apegara demais a ela naqueles dias e por fim mesmo sabendo que não estava agindo corretamente, resolveu procurar um amigo seu, formado em leis a fim de falarem sobre o assunto e resolverem o que podia ser feito em favor de Rosa. 
 
Ao mesmo tempo pensava assegurar-lhe o futuro, se com o tempo viesse a dar tudo certo. Assim que ela tivesse com os documentos todos em perfeita ordem iria pedir-lhe para ficarem juntos. Não tinha a menor vontade de casar oficialmente. Sempre achara que mulher alguma iria tirar-lhe a liberdade, a privacidade. Porem agora, estava modificando sua maneira de pensar. Embora não quisesse casar, proporia a Rosa viverem juntos algum tempo a fim de ver se daria certo uma futura união, quem sabe? 
 
Seu coração intimamente se alegrou com a possibilidade de ter alguém para conversar e preencher o vazio das suas tardes e das suas noites também. Por seu lado Rosa já tinha percebido o interesse que despertara e procurava seduzi-lo com palavras e gestos, com meiguice, o que o deixava atordoado. 
 
A noite deitada e coberta com grossos cobertores de lã, tudo com muito bom gosto, naquele amplo quarto, Rosa dava vazão a sua ambição, a sua vaidade. Ela ainda seria muito rica, muito mesmo, e acima de tudo queria sua total liberdade para sempre fazer o que bem entendesse, sem necessitar dar satisfação dos seus atos a ninguém. 
 
Aquela noite, Rosa deitada, dava asas a sua imaginação fazendo planos, como iria desfrutar das regalias que a vida lhe oferecia. Não tinha má sorte pois depois de tantas coisas ruins, via de repente tudo se transformando rapidamente em novos trunfos que iria fazer com que a almejada fortuna tão desejada chegasse a suas mãos. 
 
Nessa noite seu pensamento vagava e em dado momento lembrou-se de Carlos, seu filho. Como estaria ele? Estaria sofrendo a sua ausência? Seus olhos por minutos ficaram marejados de lágrimas, mas depois procurou ser forte e afastar esses pensamentos emotivos da sua mente. 
Carlos já era um rapaz e com certeza já estava a par da situação. E o que deveria fazer, pensava a Rosa, a respeito da sua vida ali, porque não desejava ficar só no campo e sim fazer longas viagens com Klaus e assim sonhando em realizar suas fantasias ela acabou adormecendo. 
 
Sonhou com o Klaus, ele vinha ao seu encontro abrindo os braços e recebendo-a com afeto e carinho. No sonho Rosa se sentia muito feliz, mas em dado momento uma figura que ela não distinguia muito bem se era homem ou mulher se interpunha entre eles e ela procurava distinguir as feições para saber quem era, mas não conseguia. 
 
Apenas sente que Klaus fica junto daquela figura e de repente vai se afastando, afastando, ela chama-o de volta, mas não adianta, ele não se volta nem para olhar para trás. 
 
No sonho Rosa continua chamando-o e nada, ele vai indo até que desaparece. Ela acorda assustada, molhada de suor, seria um aviso? Alguma coisa iria de ruim acontecer? Que sonho estranho tivera. 

Mais tarde veste-se com esmero e desce ao encontro do amado, esse a toma nos braços e a beija apaixonadamente e assim passam os dias numa paixão desenfreada que não mede conseqüências, nem faz previsão sobre o amanhã.  

                                                                     Capítulo XIV 
           
Em um país distante, na pequena aldeia, ali encontraremos Maria. Calma, discreta, arrumando as malas pois resolveu aceitar a proposta de Manoel para viverem juntos em Lisboa. No início ficou receosa como seria recebida por Carlos, mas os dias que estiveram juntos a fez ver que a personalidade dele era muito diferente da mãe. 
 
Era um rapaz bom, honesto, estudioso demais, pois além da fazer suas obrigações de estudante ainda procurava ganhar um dinheiro extra ajudando numa companhia de turismo, pois estudava línguas. Com isso praticava e desenvolvia seu estudo e tinha seu próprio dinheiro. 
 
Ele era o orgulho de Manoel e ela junto deles, de agora em diante, procuraria fazer com que aqueles dois entes que amava fossem felizes e também realizaria seu maior sonho que era compartilhar o resto dos seus dias com o homem amado. 
 
Assim fez. E os dias mostraram a felicidade, que voltou a fazer daquele  lar um ninho de amor, harmonia e felicidade. 
 
Os dias corriam serenos, tranqüilos para o casal e Carlos. Procuravam não tocar no nome da Rosa para que lembranças infelizes e tristes não viessem perturbar a felicidade de todos. 
 
Passaram-se dois anos, até que um dia Rosa conversando com Klaus expressou o desejo de voltar ao seu país para rever sua velha tia. Intimamente sentia vontade de rever o filho, embora que de  longe. Desejava revê-lo sem se mostrar. Ocultamente ela planejava ver como estava vivendo aquele ser querido. 
 
Klaus como sempre atencioso falou-lhe que procuraria obter os documentos necessários e que iriam fazer uma viagem e aproveitariam uns dias em Portugal como ela desejava. E assim na semana seguinte, com documentos falsos com nacionalidade alemã, Rosa partiu com Klaus para uma excursão onde passariam cinco dias em Portugal. Seria o tempo suficiente, pensava ela, de rever seu filho e tratar de um assunto com Deolinda. Manoel já há muito não fazia parte dos seus pensamentos e não lhe importava saber como estaria se sentindo. 
 
E assim eles viajaram. Primeiramente foram a França, onde visitaram pontos turísticos belíssimos, a Torre Eiffel, Versalhes, fizeram um tour pelo Vale do Loire e Rosa ficava extasiada com os museus, as construções antigas, castelos, as belas paisagens e tudo que observava. 
Dali partiram para a Espanha onde visitaram Barcelona e como sempre a felicidade estava entre eles, só sorrisos, bem estar, o dinheiro fazia realizar os sonhos de consumo daquela mulher fútil e isso a realizava plenamente. 
 
Rosa, na noite que antecede a sua chegada a Portugal, procura pensar no modo como fazer para resolver o problema “da tia” que falara para Klaus. Ele jamais poderia saber que ela tinha um filho já homem e um esposo. Pensou muito e chegou a conclusão que no primeiro dia no país teria que dar uma desculpa e sair sozinha a fim de procurar Deolinda e obter notícias do que estava acontecendo. 
 
Para isso precisava dar uma boa desculpa e logo ao deitar, falou para  Klaus que não estava se sentindo bem, tinha dores na cabeça mas devia ser coisa passageira. Mas com certeza estaria melhor no dia seguinte. 

Ao amanhecer falou para ele que descansaria mais um pouco pois continuava indisposta, mas que ele deveria ir com os outros da excursão conhecer os pontos turísticos da sua terra, que não se preocupasse pois devia ser um mal estar passageiro e logo estaria boa. A noite já devia estar boa e sairiam juntos. 
 
Assim realmente aconteceu. Klaus ainda relutou em deixa-la sozinha, porém diante da insistência que ele deveria seguir com os outros para o passeio, ele recomendou-lhe repouso absoluto e falou que à tardinha estaria de volta e caso precisasse de algo pedisse no hotel que eles atenderiam rapidamente. 
 
Rosa deixou passar algumas horas após a saída de Klaus e vestiu-se rapidamente e furtivamente saiu sem ser notada, por uma porta lateral do hotel seguindo para as imediações de sua antiga residência. 

Precisava falar com a Deolinda, não somente pelo Carlos mas também para lhe pedir todas aquelas jóias que ela tinha lhe entregue para guardar a tanto tempo. Será que estavam com ela ainda ou as tinha colocado eu algum banco? 
 
Chegando na sua antiga residência viu sair uma senhora que não conhecia e resolveu fazer a pergunta: - Senhora por favor, a D. Deolinda ainda mora aqui? 
 
A senhora lhe respondeu: - Sim, mora aqui. Esta hora ela está em casa.
- A senhora poderia me fazer um grande favor? Gostaria de lhe fazer uma surpresa. Poderia lhe chamar e falar que uma amiga dela a está esperando aqui em frente?
A senhora um pouco intrigada, pois se era amiga por que não adentrava na casa e falava com a Deolinda ali mesmo? Mas resolveu fazer o favor e logo se despediu e foi andando pois estava atrasada para seu dia de trabalho. Falou então para a Rosa:
- Deolinda não tarda a descer, está a se trocar e logo vem. E foi andando. 
 
Rosa ali ficou esperando, e logo a cabeça branca da mulher apareceu e seu olhar se dirigiu para ela. Quem seria aquela senhora elegante, bem vestida que queria lhe falar?
De imediato não a reconheceu e quando ela lhe falou: - Deolinda sou eu, Rosa, vamos sair daqui da frente da casa que não quero ser vista, ela quase desmaiou de susto. 
 
- Rosa é você! Todos pensamos que tinha falecido. Como é que me apareces aqui assim, depois de tanto tempo sem enviares notícias para teu filho e teu marido? 
 
Rosa contou-lhe minuciosamente o que acontecera, pois aquela mulher sempre soubera da sua vida inteiramente, sem segredos. E assim sentadas um pouco distante da sua casa, a velha Deolinda escutava entre admirada e consternada toda a historia que Rosa lhe contava. 
 
Como tinha coragem aquela mulher de abandonar o próprio filho? Pensava Deolinda enquanto a outra narrava tudo que se passara e sem omitir detalhes, de como transcorria sua vida atual. 
 
Passados uns instantes Rosa lhe pergunta:
- Deolinda quero que tragas as minhas jóias que deixei guardadas contigo. São jóias valiosas e preciso tê-las comigo e assim ter uma reserva assegurada de dinheiro em ouro. 
 
A mulher assustou-se e lhe falou: - Rosa, eu não tenho nenhuma jóia comigo, lembra que todos nós pensamos que estavas morta, e o que fiz foi entregar a tua caixa com jóias para teu marido. Foi uma situação constrangedora mas o que fiz foi orientada pela minha consciência. 
 
Não podia ficar com aquela fortuna, sim porque para mim seria uma fortuna, não me pertencia. Assim entreguei-as a teu marido logo após tua suposta morte e ele querendo explicações sobre as jóias como você as tinha conseguido, tive que lhe revelar a verdade sobre tua verdadeira vida. Ficou chocado o coitado, porém me pediu para ocultar do filho toda a verdade e assim Carlos não tem conhecimento de tua infidelidade e de tuas loucuras, Rosa.

                                                                          Capítulo  XV
           
Ela sentiu seu mundo desmoronar. Precisava de todas as suas jóias, eram peças muito belas e faria o possível a fim de trazê-las para si. 
 
Procurou sondar com Deolinda se Manoel guardava essas jóias no banco ou em casa e ela falando que achava que era em casa, sorriu. Planejaria algo para o dia seguinte a fim de reavê-las sem a presença da família e dos amigos.

Através de Deolinda soube também notícias do filho e mais uma vez pediu a cooperação da velha no sentido de reaver o que lhe pertencia, pois seria bem recompensada. Assim voltou a velha Deolinda para casa, naquele dia, feliz da vida porque iria receber um extra aquele mês e para isso iria se esforçar bastante. 
 
Rosa voltou rapidamente para o hotel, entrou pela porta que tinha saído sem ser vista, mais uma vez. Pensava, pensava...Então Manoel estava morando há dois anos com Maria, ora vejam só! Eles também não tinham perdido tempo. Mas ela também não queria perder tempo, pensando naqueles dois. Tinha mais o que fazer, pensar no seu belo futuro. 
 
Assim que penetrou no quarto o telefone tocou. Era Klaus querendo saber se ela tinha melhorado da dor de cabeça. Respirou aliviado em saber que sim e falou que à tardinha estaria de volta do tour que estava fazendo e que ela procurasse descansar para se refazer depressa. 

Ao desligar o telefone Rosa pensou: - Tenho que agir rapidamente, planejar algo o que fazer, pois só iriam permanecer ali por mais três dias. Nesse curto tempo teria que reaver suas jóias e tentar rever seu filho mesmo de longe - pensava ela. 
 
À noite Klaus retornou do passeio pela cidade. Achou Lisboa linda, uma grande cidade repleta de museus e construções antigas de grande valor arquitetônico. 

Falou para Rosa que naquele dia conhecera um guia turístico muito simpático. Um rapaz jovem estudante de línguas, que muito esforçado procurava ajudar a família ocupando seu tempo livre nos estudos, com a profissão de guia. 
 
Disse também que ele tinha lhe contado que seu pai era professor e morava com a madrasta que era como uma segunda mãe. Sua mãe verdadeira tinha morrido num acidente há dois anos. 
 
Enquanto Klaus falava, a mente de Rosa nem escutava o que ele dizia. Estava preocupada como adquirir seu pequeno tesouro que tinha deixado com a Deolinda e agora estava em poder de Manoel. 
 
Não, não poderia de maneira alguma abdicar dessa pequena fortuna pensava ela, é a minha segurança, meu futuro. A ambição fazia com que nem cogitasse esquecer das jóias e rever o filho ficava sempre em segundo plano. 
 
Resolveu no dia seguinte sair com o Klaus e o pessoal da excursão a fim de não despertar suspeitas, e procuraria à noite tentar telefonar para Deolinda para obter algumas notícias. 
 
Assim fez e foi com o pessoal rever aqueles lugares que ela tão bem conhecia nas suas andanças por Lisboa. Até que, já na parte da tarde em dado momento, resolveram sentar-se um pouco nos jardins em frente ao museu, quando de repente o Klaus exclamou: 

Rosa olha quem vai passando ali, é o jovem que te falei. Vou chamá-lo para que tu o conheças e ao mesmo tempo foi falando alto: 
Carlos que bom te rever! Olha quero que tu conheças a minha mulher, Rosa, e dizendo isso o pegou pela mão e o jovem ficou defronte a mulher. Rosa empalideceu e o Carlos como se tivesse vendo um fantasma exclamou: Mamãe! 
Os dois se fitavam com assombro. No momento ficaram sem saber o que fazer e o que dizer. E Klaus mudo, estupefato com o que estava acontecendo, exclamou: Que está acontecendo? Vocês se conhecem? 
 
Rosa sentindo-se desmascarada teve um acesso de choro, e mesmo assim abraçou-se com o filho. Este não acreditava no que estava acontecendo. Sua mãe que julgava morta agora reaparecia junto aquele senhor alemão rico, em excursão a Portugal, dizendo-se seu marido. O que acontecia santo Deus? 
 
Klaus sentia-se com o coração a ponto de explodir. Será que tudo tinha sido uma mentira, aquele amor vivenciado com aquela mulher? Será que ela não era o que ele acreditava ser? 
 
Mais calmo denotando maior equilíbrio e serenidade que mãe e filho, falou-lhes:
- Vamos nos desligar da excursão essa tarde e peço-lhe Carlos para irmos juntos até o hotel. Conversaremos longamente e assim vamos procurar colocar toda essa história de uma maneira clara e verdadeira. Gosto de saber o que se passa com as pessoas as quais convivo e procurarei ajuda-las. Mas acima de tudo exijo respeito e detesto mentiras. 
 
Ainda chorando e cabisbaixa, Rosa, sentindo seu mundo desmoronar, se dirigiu junto com o filho e Klaus em direção ao hotel. Ali numa sala reservada, os três puderam estar à vontade e então Klaus pediu ao rapaz: 
- Carlos, por favor, com calma explique-me por que você chamou Rosa de mamãe. 
E então o jovem contou-lhe toda a história. Onde viviam, que ela era sua mãe, do seu desaparecimento e que voltando de uma viagem ela desaparecera. Seu pai lhe dissera que ela tinha falecido na Alemanha numa viagem que fizera com uma amiga. 
 
Muito observador Klaus em tudo refletia e agora entendia claramente o que tinha se passado. Rosa tinha se aproveitado dele, de sua ingenuidade da confiança que nela depositara. Ela era casada, tinha um filho e se aproveitara da viagem do marido para viajar com outro homem, isto é um amante. 
 
Agora tudo ficava muito claro para ele. A dor, o desencanto com aquela mulher era muito grande, não poderia continuar na companhia de uma pessoa tão mentirosa, tão cheia de falsidades. Então ignorando que o jovem não sabia de toda a história verdadeira da mãe, ele contou-lhe tudo que sabia a respeito dela dizendo: 

- Na minha opinião, Carlos, ninguém deve ser enganado. A verdade tem que sempre ser dita, ser esclarecida, por que é muito triste se viver numa grande mentira.
Ali naquele instante pediu o telefone de Manoel e chamou-o até o hotel, pois seu filho estava precisando dele. 
 
Manoel atendeu prontamente seu chamado e, chegando até aquela sala, assustou-se com a presença daquela mulher que para ele não significava mais nada e não lhe tinha a menor consideração e respeito. 
 
Sentiu nesse instante que não podia ocultar de seu filho, e agora de Klaus, o que não tinha contado antes para não fazê-lo sofrer. Resolveu falar toda a verdade, contar o que tinha realmente acontecido há dois anos atrás. O que tinha descoberto sobre a vida dupla de Rosa. 
 
Assim ficou tudo esclarecido. A mulher de cabeça baixa não dava mais uma palavra. Em poucos minutos caía-lhe por terra todos os planos, toda uma série de projetos que fizera para seu futuro, projetos onde o conforto, viagens, roupas caríssimas e jóias estavam sempre presentes. 
 
A vida medíocre e pobre de classe média não era para ela. Sempre ambicionara muito mais e agora via tudo desmoronar. Ainda tentou se desculpar com Klaus porém ele não a deixou falar mais nada. 
 
Carlos e Manoel resolveram voltar para casa. Não queriam mais saber daquela mulher que não pensara neles em nenhum momento. Em casa estava esperando uma doce mulher que há dois anos fazia a felicidade deles, procurando realizar seus menores desejos. Assim se despediram de Rosa e desejaram que ela não os procurasse nunca mais e seguisse sua vida.  

                                                                     Capítulo XVI
           
Assim que os dois saíram, Klaus olhou para a Rosa com compaixão. Como pode uma pessoa descer tanto só por ambição? Abriu sua carteira, deu-lhe uma boa quantia em dinheiro e lhe pediu: 
- Vou sair agora e quando voltar espero não a encontrar mais aqui. Afaste-se da minha vida. Faça de conta que você jamais me conheceu. Uma mulher que age como você agiu, renegando o próprio filho por amor ao dinheiro não merece meu perdão. Não quero mais vê-la. 
 
À noite ao voltar ao hotel, o funcionário mesmo sem entender nada, falou-lhe que sua senhora deixara o hotel com duas maletas e não lhe deixara nenhum recado. 
 
Foi melhor assim, pensou Klaus, a vida continua. A pessoa nessa vida só colhe o que semeou e essa mulher só tem semeado ervas daninhas, ela receberá da vida o que merece. No dia seguinte saiu com a excursão e procurou pouco a pouco amenizar a saudade da mulher ingrata que não merecera seu amor. 
 
Voltemos a Carlos e Manoel. Estes se encaminharam para o lar. Ali os recebeu Maria com um sorriso no rosto e no olhar. 
 
O amor aos dois transparecia na meiguice da sua voz e nos seus gestos de carinho. Carlos para ela era um filho muito amado, pois era uma parte do homem que ela amava e assim ela fazia com que aqueles dois entes queridos se sentissem sempre em paz e em perene alegria. E assim continuaram felizes, mesmo depois de terem passado por tantos problemas e desgostos. A vida continua... 

 Quanto a Rosa...Ah a Rosa!
Triste vida de Rosa. Foi viver numa pensão barata com o dinheiro que Klaus havia lhe dado, mas como não estava acostumada ao trabalho e só gastando viu-se certo dia, tendo que dar duro para poder sobreviver. 
  
Assim é que depois de passar muitas dificuldades, o tempo se encarregou de lhe mostrar que só através do trabalho ela conseguiria sobreviver. 
 
Começou a lavar roupas para pessoas de poder aquisitivo melhor e assim foi levando a sua vida, embora caindo moralmente de vez em quando em atos impensados, por que só o fator tempo e o sofrimento é que fazem com que a pessoa adquira equilíbrio e o esclarecimento necessário burilando suas imperfeições. 
 
Sobre seu pequeno tesouro não esqueci de lhes contar, depois ela soube pela velha Deolinda que Manoel tinha doado a uma Instituição de caridade todas aquelas jóias, fruto da irresponsabilidade e da ambição de uma mulher.
Essa história realmente se passou na Europa.

FIM

Este conto faz parte do livro Mensageiros do Bem (1998)

0 comentários:

Postar um comentário