OBSESSÃO

Da janela do castelo Elysa  descortinava todo o vale. Ali do alto ela conseguia ver além das grandes muralhas  toda a extensão de terra, coberta de verdejante floresta onde o domínio do seu pai se estendia. Estava com 16 anos, devia sentir-se feliz pois nada materialmente lhe faltava. Possuía jóias, vestidos caros e lindos, mas nada conseguia alegrar seu coração. 
 
Elysa amava e sabia que seu amor nunca poderia ser concretizado. Seu amado não lhe tinha nada revelado, porém os olhares que trocavam quando casualmente se encontravam denotavam a simpatia , a afinidade de corações e de sentimentos. Mas tudo era impossível, e não adiantava alimentar sonhos. 

Josué , esse era o nome do seu amado, era camponês e trabalhava desde que nascera ali dentro dos domínios de seu pai. Era muito pobre, embora gozasse de certas regalias por ser jovem, trabalhador, e de inteira confiança do Marquês.
Infelizmente, pensava Elysa, Josué não tinha estirpe e não se podia nem cogitar uma união da filha do marquês com um pobretão. E assim, contemplando o horizonte, a jovem deixava-se levar pelos pensamentos. Era filha única, sua mãe a enchia de mimos e realizava seus menores desejos,era só pedir e tudo tinha a seus pés. 

Mas não desejava para si a vida que sua mãe levava. Não saia de casa, não ia a lugar nenhum e raramente recebiam visitas, isto é, apenas de alguns conhecidos de seu pai interessados em negócios, quando faziam uma parada e resolviam falar em aumentar domínios de terra e dinheiro. 
 
Sua mãe , a senhora marquesa Maria Clara, era uma santa criatura. Procurava sempre ajudar aquelas pessoas mais pobres do lugar, escondida do marquês de Tolosa, pois ele achava desperdício tantos cuidados com pessoas que não tinham nada a retribuir. 

Elysa pensava: “Que bom seria se tivesse a liberdade de escolher para seu amor quem ela quisesse , de não ter que aceitar , um dia, o pretendente que seu pai escolheria para ser seu esposo”. Era só sonho e fantasia. A mulher como dizia seu pai, servia só para cuidar da casa e servir ao marido e que se desse por satisfeita. Ouvia-se falar que muitos barões e marqueses, mantinham sua senhora no castelo e em volta várias outras mulheres. Era costume da época , a mulher sofria calada e não tinha o menor valor. 

                                                                        Capítulo  II
 
Elysa ouviu passos e se voltou. Era sua mãe que preocupada com sua expressão tristonha tentou alegra-la  falando:
- Filha querida , teu pai há pouco me avisou que teremos visitas por esses dias. Recebeu recado por um emissário que chegou ontem a cavalo. Um amigo que há muito não via , virá aqui para passar uma semana conosco. Não sei se virá com família, mas é bom termos visitas, porque quebra um pouco a rotina , a monotonia dessa casa.
Elysa não deu importância nem fez perguntas sobre a visita que iam receber. Deveria ser aqueles casais de meia idade que apareciam e não estava para muita conversa. 

Dali foi aprontar-se para a ceia que era servida sempre às 18 horas impreterivelmente.
Foi naquela mesma noite na hora da ceia que o marquês lhe falou: -Maria Clara e Elysa quero que recebam esse meu amigo e seus familiares com muita atenção pois o barão Macário de S. é um grande amigo de muitos anos que viajou em busca de aventuras e se deu bem, estando atualmente muito bem de vida. É, dono de muitas terras distantes daqui, come com muitos trabalhadores servindo-o nas plantações  que possui. É viúvo, tem dois filhos com diferença de dois anos um do outro e ele acha que já é tempo de nossas famílias se conhecerem melhor, o que me agradou muito. 
 
Maria Clara olhou para o marido e notou um brilho em seu olhar. O Marquês devia estar tramando alguma coisa e não lhe confidenciara, mas ela como o conhecia muito bem, tentava adivinhar o que ele pretendia com toda aquela conversa. 
 
Maria Clara no jantar, enquanto o Marquês falava sobre as riquezas e a grande amizade que o unia ao barão de S,. observava-o com atenção. Conhecia-o tão bem, pois já estavam casados há dezessete anos .Sentia quando o esposo tinha algo em mente e já se preocupava com antecedência com o que ele estava a planejar. 
 
Não poderia dizer que ele fosse um homem mau, porém seu grande defeito era ter o dinheiro, o poder, como único objetivo de vida, uma ambição desmedida ele sentia. Só falava em negócios, dinheiro e tudo que o fizesse levar vantagem com qualquer pessoa, o deixava feliz. 
 
Sua fortuna aumentava com rapidez devido à maneira com que passava por cima dos sentimentos das pessoas, não respeitando o ser humano e declarando-se sempre um senhor todo poderoso daquelas terras e também daquela gente que vivia sob seu domínio. 

                                                                      Capítulo III 

Maria Clara, de olhos baixos, enquanto lentamente  mastigava os alimentos, observava. Quanta fartura na sua mesa, quantas coisas desperdiçadas e para que ela pudesse ajudar alguma família necessitada, era necessário sair do castelo às ocultas como uma fugitiva. O senhor seu marido, não gostava que ela interferisse na vida dos camponeses residentes nas suas terras. Ele achava que ela tinha que se colocar em seu lugar, num pedestal, onde os servos teriam que lhe prestar homenagens e amá-la, embora distante. 
 
Maria Clara, às vezes pensativa, deixava-se divagar. Viera casar com o Marquês quando tinha apenas 18 anos. Era inexperiente, deixara toda sua família, seus pais e irmão, e viajara três dias numa carruagem com uma escolta que seu pai preparara para enviá-la ao seu marido. Nunca tinham se visto antes. Quando o viu pela primeira vez foi justamente no dia do casamento. 
 
No começo estranhara muito, mas logo no ano seguinte a vinda da sua filhinha viera preencher o vazio que sentia por não ter ninguém da sua família para conversar ou trocar assuntos banais. Com a vinda de Elysa ela tomou outro ânimo , só vivia sorrindo e feliz. Em sua filha depositava todos os sonhos de vê-la realmente feliz um dia junto de alguém que ela amasse, independente de ser rico ou pobre. E assim enquanto jantava o pensamento de Maria Clara divagava...
 
Essa história é passada na Europa em pleno regime feudal, onde os senhores possuidores de grandes fortunas se encastelavam em seus castelos de pedra e viviam com o conforto da época tendo submetido dentro dos seus domínios a população  e pobreza quase absoluta. Tinham o direito de moradia em troca do trabalho e da comida. 

                                                                   Capítulo  IV 
 
 O Marquês de Tolosa possuía um dos castelos mais bem fortificados que se conhecia. Existia, adentrando num grande portão de ferro que era a passagem para se divisar além das muralhas, jardins imensos e depois de horas de cavalgada chegava-se a uma ponte que se transpunha para chegar a outra enorme porta de ferro que dava entrada ao Castelo. 
 
Este era circundado por um profundo fosso que seria impossível alguém sobreviver se por acaso ali caísse. Logo que se transpunha a ponte, ela que era móvel era levantada tornando o castelo uma fortaleza  inexpugnável. 
 
O Marquês cada vez mais se sentia prepotente com todo o poderio, e como entendia que terra era poder, procurava estender cada vez a extensão de suas propriedades. A população do feudo era formada de servos, pastores e lavradores. O senhor feudal, o dono do feudo, reinava com poder absoluto sobre aquela gente fazendo sua própria lei.
        
Agora que Elysa estava  em idade de formar uma família, pensava o Marquês, planejava unir o  útil ao agradável, pois com a visita do seu amigo o Barão Macário de S. e seus dois filhos, poderia conhecer os rapazes e quem sabe o futuro...
E dava asas a imaginação. A esposa do amigo tinha falecido há alguns anos, não tivera oportunidade de conhecê-la. 

As mulheres nessa época ficavam quase sempre somente dentro das muralhas que circundavam as propriedades. Já nos estendemos bastante e creio que os leitores  através da imaginação já fazem uma idéia do que era ser mulher naquela época e a que ela era destinada. Portanto vamos  passar rapidamente para quinze dias após a conversa que tivera na ceia com a mulher e a filha. 

                                                                   Capítulo  V
 
Naquele dia o sol amanheceu radiante, ouvia-se por toda parte o barulho das pessoas trabalhadoras, os servos, os pastores, os agricultores, que iam e vinham, do mugido das ovelhas, dos latidos dos cães e era uma confusão muito grande. 
 
A carta que tinha recebido do amigo  dizia que ele chegaria  logo pela manhã  e assim sendo logo ao raiar do sol os preparativos dentro do castelo eram intensos.
Elysa mesmo sem querer, estava ansiosa pela chegada dos visitantes, por isso quando desceu de seu quarto naquela manhã, estava deslumbrante. 
 
Pusera um vestido  longo como era costume na época, muito rodado, de cor rosa com enfeites de renda que a deixavam  ainda mais graciosa. No colo ostentava  uma corrente de ouro com um camafeu  muito antigo, presente da sua mãe, jóia de família. Os cabelos castanhos  aloirados  eram puxados  para o alto da cabeça num coque  frouxo, fazendo salientar  seu pescoço  longo e sedutor. 
 
Ela desceu as escadas até a sala de espera e ali encontrou Maria Clara,  sua mãe, dando ordens às servas que lhe ouviam  atentamente as indicações do que deviam fazer: Depois de uns minutos, despediu-as  e olhou para a filha com carinho  e admiração. 
 
- Como estás bela, todos na hora do almoço só terão olhos  para ti, falou sorrindo.
Com as palavras da mãe, enrubesceu  e sentiu-se  intimamente  lisonjeada  e agradecida. 
 
Nisso ouviram um som  de corneta  no ar - era assim que anunciavam  a chegada de algum  visitante  ao castelo - e isso fez com que as duas mulheres corressem a janela  para ver se era possível  conseguir ver alguma  coisa ou as pessoas  visitantes. 
 
Do alto da janela Elysa viu descer de uma carruagem ricamente adornada  com enfeites dourados, primeiramente um senhor  mais ou menos com 43 anos e, logo após, dois garbosos  rapazes  de elevada estatura  e de roupagens  de estilo, denotando na sua aparência  serem de família de posses  e de grande desembaraço  social. 

                                                                  Capítulo VI 
 
Após descerem da carruagem, um dos moços olhou para cima admirando o castelo e divisou em uma janela  a figura de linda mulher  que o impressionou. 
Lucas era um jovem muito bem apessoado, cabelos loiros, olhos muito azuis,  expressivos e límpidos assim como a sua alma, era realmente uma ótima pessoa e por isso  era o orgulho  do pai. 
Licurgo, esse era o nome do seu irmão, contava vinte e três anos. Dois anos mais novo que Lucas, tanto sua família  como os que conheciam, sabiam que ele era  muito diferente  do irmão. Era metido a brigas, a se envolver com mulheres, às vezes casadas, e gostava de passar noitadas  fora do seu castelo em más companhias. 
 
Não adiantava Lucas  aconselha-lo por que não o escutava. Precisava aproveitar a vida dizia ele, "o tempo corre rápido e não podemos desperdiçar  oportunidades", pensava ele. Tinha poucos conhecimentos  sobre o mundo em geral  pois não perdia tempo em leituras que seu pai  adquiria  de lugares distantes, pensando em dar aos dois filhos uma educação mais aprimorada,  que ele não tivera.  
 
Lucas era completamente diferente  do irmão, era um espírito bom, esclarecido, e por amar muito seu irmão, perdoava-lhe as fraquezas , desculpando-o  por ser ainda  muito jovem. 
 
"Talvez com o passar do tempo  ele vá se corrigindo", pensava ele, sem demonstrar irritação  com as peraltices  do irmão. 
Adentraram os dois rapazes e o barão Macário de S. no vasto salão de entrada  e conduzidos pelo próprio Marquês e alguns  servos carregando seus pertences  dirigiram-se para a sala  de espera onde poderiam  ficar mais à vontade.

O Marquês deu ordens aos criados  para subirem com a bagagem  dos hóspedes  e sentaram-se nas grandes arcas  que circundavam a vasta sala. Essas arcas serviam para guardarem roupas  de cama e mesa assim como o vestuário  da família e eram dobradas e perfumadas  com alfazema. As arcas algumas eram rentes ao chão e outras eram mais trabalhadas  e  sustentadas em quatro pés em madeira trabalhada. Ao canto  existia um suporte de madeira contendo  um conjunto de velas de cera, que dava um toque de aconchego ao ambiente. 
 
Lucas e Licurgo olhavam tudo com admiração pelo bom gosto em todo o castelo, transpareciam as mãos femininas em todos os aposentos daquele lar. 
 
Ouviram um rumor levíssimo de passos descendo a pequena escadaria, viram-se diante de duas mulheres  vestidas com bom gosto  e denotando no semblante grande curiosidade . 
 
Lucas fixou seus olhos azuis claros e brilhantes  de admiração em Elysa  e não conseguia desprender  seus olhos  daquela visão. Era maravilhosa aquela mulher e sentiu  que seu coração  parecia  que ia saltar do peito. Uma sensação de sufocamento, sentiu o rosto queimar  como se algo o tivesse atingido. 
Elysa sentiu-se atraída  pelo fixo olhar  de Lucas, seu rosto enrubesceu  e segurou-se  firme no corrimão  e acabou de descer  as escadas  com um porte de rainha.   

                                                            Capítulo VII 
        
Aquela troca de olhares não passou despercebido a sua mãe, nem tão pouco a Licurgo, pois este também fitava surpreso e admirado o porte altivo e a beleza estonteante daquela jovem. Jamais haveria de pensar que naquelas longínquas terras  iria encontrar uma jovem com tamanha formosura. Assim com cavalheirismo inclinou-se  com um gesto de cortesia e respeito. 
 
Elysa sentiu-se envaidecida com os olhares  que lhe dirigiam e ao mesmo tempo  procurava fazer com que os convidados do seu pai  se sentissem à vontade. Ofereceu-lhes com um gesto de mão, o assento da arca da sala  para sentarem-se e nesse momento seu pai lhe chamou  para apresentar-lhe seu amigo, o Barão Macário, que era só sorrisos e gentileza. 
 
O almoço transcorreu muito alegre. Licurgo como sempre fazia, chamava a atenção de todos porque era espirituoso e gostava de contar  suas viagens  e casos  que lhe aconteciam durante as viagens, mas tudo isso de uma maneira irreverente. Com isso as pessoas  quase não falavam, só riam e prestavam atenção a tudo que ele fazia ou dizia. 
 
Enquanto isso Lucas , nosso jovem, maduro para sua idade, apreciava a conversa do irmão, mas disfarçadamente procurava observar  as reações de Elysa, o seu jeito de ouvir,  a delicadeza nos menores gestos, e cada minuto que passava  mais a admirava.
Quando ali chegara jamais pensara encontrar alguém como ela, agora mesmo naquele momento o olhar dela cruzava com o seu e baixou rapidamente o olhar, e assim passaram todo o tempo nesses olhares furtivos. 
 
Elysa pensava nesse momento o que acontecia consigo. Não conseguia entender seus sentimentos, sempre pensara amar Josué e agora aquele moço, Lucas,  ali na sua frente estava deixando-a desconcertada e feliz  com seus olhares. Teria tempo para avaliar seus sentimentos  em relação aos dois jovens, agora era muito cedo. 

Após a ceia todos se dirigiram  para um grande salão onde ficavam  conversando os homens. Anexo existia uma pequena saleta, onde as mulheres se reuniam, deixando seus maridos  conversarem mais livremente, sobre assuntos referentes a negócios etc.
Naquela tarde porém os jovens Lucas e Licurgo pediram licença para lhes fazer companhia  e assim puderam todos juntos  se conhecer melhor. 
 
Recostaram-se nos grandes almofadões de linho que eram cheios com palha, e assim puseram-se a falar  do seu castelo, como era a vida deles, o que faziam, e como sentiam a ausência da mãe. Assim a tarde passou e nem sentiram as horas passarem, pois a conversa agradável  e leve as deixavam  felizes e atentas a todos os assuntos. 

                                                               Capítulo  VIII

Durante a palestra, enquanto tomavam um excelente licor, Lucas falou  do desejo  que tinha de percorrer  a cavalo aquelas terras num passeio pela manhã do dia seguinte e se haveria possibilidade de Elysa acompanhá-lo em tal passeio. 
 
Dirigiu a pergunta olhando fixamente  para Elysa  e esta enrubesceu. Não estava acostumada a fazer passeios a cavalo com rapazes mas só com sua criada  de quarto e sua mãe. Por isso respondeu que lhe agradaria  muito mas teria que obter a permissão  do pai. Nesse instante o Marquês adentrou no salão  e ouviu o que diziam  e de imediato deu o seu consentimento. 

As suas plantações, suas lavouras, eram sempre um motivo de orgulho  para ele. Assim se recolheram tarde da noite já pensando que no dia seguinte  a movimentação da casa seria grande  (por motivo dos três cavalheiros  ali presentes  serem pessoas  habituadas  ao conforto e de  terem  sempre  do bom e do melhor). 
Já deitado em seu quarto Licurgo dava asas a sua imaginação. Que mulher linda! Com essa chegaria até ao casamento para que ele fosse seu dono. E começava ali uma obsessão por essa mulher  que traria a Elysa  no futuro  grandes sofrimentos. 
 
Não era amor o que Licurgo sentia pela jovem, era apenas a satisfação de um desejo, uma paixão,  sentimento esse que só trás sofrimento e dor. Os  espíritos menos esclarecidos se aproveitam dessas brechas  de desequilíbrio do ser humano para provocar toda sorte de pensamentos maus e desajustes familiares. É o que começava a acontecer com Licurgo em relação a Elysa , só a posse da jovem lhe daria sossego. 
 
Já Lucas era um romântico, sonhava acordado  com tudo que observara  a respeito da jovem. Ele pensava: Feliz do homem por quem essa mulher  se interessar um dia, ou será que ela já amava alguém? E pensando assim  sentiu uma pontada de ciúme  e desespero. 
 
O dia amanhecera muito belo, o sol quente convidando  a todos  para uma cavalgada  à sombra  das grandes árvores  e pelas campinas verdejantes  deixava a todos  com uma sensação de euforia, de incontida alegria. Logo cedo naquela manhã o Marquês chamou Josué  e mandou preparar os cavalos  para o passeio matutino. 

                                                              Capítulo IX
 
Josué como sempre com humildade, atendeu as ordens do Marquês  e depois de algumas horas viu aproximar-se  Elysa, D. Maria Clara, Lucas e Licurgo. O Marquês então lhe falou: 
 
- Josué acompanhe às senhoras e os visitantes, pois talvez precisem de alguma coisa e você por perto lhes será útil.
Josué lhe respondeu: - Sim senhor, e calmamente subiu no seu cavalo, tendo antes ajudado as duas senhoras  na montaria.

É bom lembrar que nessa época  as mulheres costumavam cavalgar sentadas de lado, o que era bastante incômodo e as roupas também excessivas era um desconforto total. 

 
Assim todos já nas suas montarias rumaram vagarosamente  para a saída do castelo em direção a ponte. 
Josué discretamente, sendo o último, sempre a retaguarda, procurava observar o comportamento, a reação daquela  gente. Era podemos dizer, um espírito muito adiantado, viera nessa encarnação sem riquezas materiais pois pedira para renascer num ambiente pobre porém cheio de amor. 
 
Não tinha ambições, procurava sempre ajudar a todos que dele precisassem, sempre com boa vontade e um sorriso nos lábios.    
        
O amor que Josué sentia por Elysa, era uma amizade verdadeira, vinda já de várias encarnações passadas. Não era amor, paixão e sim sintonia  se sentimentos, de mente voltada ao bem. 
Enquanto cavalgavam Josué observava um a um e como era um espírito esclarecido pressentia que algo ia acontecer. Intuía naquele momento, que haveria uma mudança radical  na vida de Elysa e ela teria que ser muito forte para vencer as adversidades, que viriam em breve.

                                                                     Capítulo  X 

Procurou durante o passeio ser gentil com todos, fazia isso não para se mostrar indispensável, mas porque sentia imenso prazer em ser útil a qualquer pessoa que lhe solicitasse auxílio. O Barão Macário de S. então ficou encantado com um trabalhador tão fiel  e com tantas qualidades. Qualidades essas apregoadas  pelo próprio marquês, e por isso já fazia planos para saber se seria possível  levar Josué  para ser uma espécie de administrador  de terras que possuía. 
 
Aquele dia transcorreu na maior alegria. De repente o castelo tomou  vida nova com a presença daqueles visitantes e a noite ao recolher-se ao seu leito o Marquês comentou com Maria Clara como o faria feliz a união da Elysa com um dos filhos do seu grande amigo. 
 
Qual dos dois seria melhor esposo para Elysa? Pensava ele preocupado em assegurar o futuro da filha, materialmente falando, mas também a amava  muito e  gostaria de vê-la  feliz ao lado de uma pessoa  que ela amasse de verdade. 
 
Maria Clara, muito ponderada, aconselhava calma, que deixasse  a jovem escolher o que ela desejava realmente. 
 
Altas horas da noite  e o casal não conseguia adormecer. O Marquês  pensava como resolver  qual dos dois rapazes seria o melhor para Elysa. Ao mesmo tempo vislumbrava  todas as benesses que  iria receber do amigo. 
Maria Clara não adormecia, mas seu pensamento era todo voltado para sua querida filha, para fazê-la  realmente feliz  e pensava: 
 
- Amanhã, procurarei sondar-lhe os sentimentos  em relação aos dois rapazes e tentar descobrir qual dos dois ela mais tem afinidades  e gostaria de se unir. 
 
Naquele momento nem o Marquês nem Maria Clara  nem por um momento  cogitaram em falar  claramente  com a filha e deixar que ela mesmo decidisse se queria ou não se unir a um daqueles rapazes. 

                                                            Capítulo  XI 
 
Eram outros tempos em que os pais é que decidiam as vidas dos filhos  e muitas vezes, com essas atitudes  faziam muitas pessoas infelizes por toda uma vida. 
 
Na manhã seguinte, todos reunidos à hora do almoço o Barão Macário de S. novamente tocou no assunto com o Marquês, na união de um dos seus filhos, e num gesto impetuoso  o Marquês  naquele instante decidiu, sem mesmo consultar Elysa, anunciando de repente  que dava o  consentimento para sua filha  se unir pelo matrimonio com o filho mais velho  do amigo. 
 
Fizera isso  premeditadamente, é claro, por saber  que o primogênito  seria o herdeiro do feudo, por morte do Barão. 

Lucas pego de surpresa, assim como  Elysa,  ficaram momentaneamente paralisados, tomados pela surpresa, pela inesperada atitude do Marquês. Mas este sorrindo e feliz continuou  que já havia combinado  com o amigo  e que resolveriam para muito breve  a união fazendo que a amizade  que os unia  se perpetuasse  através  dos filhos. 
 
Lucas olhava para Elysa com uma ternura muito grande. Não lhe desagradou de maneira alguma a resolução do Marquês de Tolosa, porém gostaria de ter tido oportunidade de conversar antes com Elysa e procurar perceber se ele lhe agradava.
Seus sentimentos, pensava Lucas, eram importantes e não deviam ser desprezados, precisava conhecer mais profundamente o caráter dessa mulher para poder partir para um compromisso  tão sério como  o casamento. 
 
Após todos terem brindado com um copo do melhor vinho, é que o Marquês pediu a palavra da filha, e esta falou apenas: sim, meu pai.  E o Marquês deu-se por satisfeito.
Mas, vejamos o nosso rapaz , Licurgo, sua reação foi de desespero. Como seria possível  seu pai fazer uma traição dessas com ele. Já tinha conversado com o Pai  e lhe dito  que achava Elysa  a mulher mais bonita do mundo  e por uma mulher dessas, deixaria para trás os divertimentos e a vida arriscada que levara até então. 
 
O seu íntimo era um turbilhão de angustia, de desespero. Como poderia ver a jovem casando com seu próprio irmão? Como conseguiria viver no dia a dia, vê-la no castelo diariamente, sem esperança que um dia viesse a ser sua. 
 
Enquanto tudo isso se passava no seu íntimo, a sua aparência  demonstrava  uma alegria que estava longe de sentir. Tanto é que levantou o copo com vinho brindando o casal  e desejando-lhes  uma união feliz.   

                                                                  Capítulo XII 
        
Daquele momento em diante os caminhos  daqueles irmãos  e o da jovem Elysa  seriam trilhados por dificuldades, ciúmes, hipocrisias, pois onde a paixão impera, ela destrói tudo no seu caminho. 
 
A paixão é bem diferente do amor. Amor é carinho, compreensão, doação, é pensar mais no ser amado que em si mesmo. O ser que ama realmente renuncia a tudo em benefício da mulher amada, até a sua própria felicidade. 
 
Mas, continuemos meus irmãos, e vejamos o que aconteceu  a partir daquele dia:
Após passar mais duas semanas  no castelo do amigo, o Barão Macário  de S. retornou a sua propriedade a fim de fazer os preparativos  para receber  o jovem casal. Antes marcaram a data para dali a dois meses, tempo suficiente  para Elysa  e Lucas se prepararem  para as bodas. 
 
No castelo do Barão foi reservado um amplo quarto para o casal, muito simples mas confortável, para que a nova senhora pudesse usufruir do melhor que pudessem oferecer. Lucas estava muito feliz  e esperava  ansiosamente  o dia que  iria  ao encontro da noiva, casar-se e trazê-la para seu castelo. 
 
Saberia fazê-la feliz, pois embora não fosse em homem dado a anedotas e casos como o irmão, era conhecedor  de uma cultura geral  e procuraria  fazer o possível para que ela não ficasse entediada naquele lugar. Fazia e refazia planos  com a finalidade de fazer Elysa realmente  feliz. 
 
Passado o tempo combinado, vemos a jovem vestindo-se para o grande dia, do casamento. 
 
O Castelo do Marquês de Toloza estava numa movimentação muito grande, pois naquele dia  se realizaria  a união  de Lucas e Elysa. Josué passara a noite em claro pensando no futuro da sua querida Elysa, pois espírito evoluído que era pressentia que algo não ia dar certo. 
 
Já notara, como bom observador que era, a grande paixão que a jovem  inspirara  em Licurgo, e ficava intrigado com a argúcia do rapaz em conseguir disfarçar  tão bem os seus sentimentos. Mas, pensava Josué, o rapaz estava aparentemente comportando-se  bem e restava  a ele apenas vigia-lo para que ele não se aproximasse  muito da moça. 

                                                                  Capítulo  XIII 
 
Assim naquela manhã chegou ao castelo o Barão  Macário de S. com a família  e alguns criados  e assim que  fosse realizada a cerimônia, no dia seguinte partiriam todos. 
 
Elysa naquela tarde estava deslumbrante. Seu vestido simples, mas de muito de bom gosto realçava seu porte, sua cintura delicada, fazendo que sua beleza sobressaísse perante todos ali presentes. 
 
Foi estendido  um tapete enorme de cânhamo, adentrando a capela do castelo, onde a ornamentação  fora  toda de flores campestres. Estava tudo simples e bonito. 
 
Assim, naquela tarde, o noivo Lucas, esperou ansiosamente  a chegada da noiva e quando o padre  perguntou se a queria como esposa, ele respondeu o sim, com muito carinho e prometendo a Deus  protegê-la sempre  e trata-la com respeito. 
 
Já casados, ao saírem da capela, dirigiram-se todos a um grande pátio que havia, e ali o Marquês  num gesto de generosidade, anunciou  que todos  dentro das muralhas  do seu castelo estavam de folga o resto do dia e podiam  comemorar a vontade. Os pastores, os servos, os lavradores todos  queriam muito bem a jovem e pediam a Deus que a fizesse muito feliz. 
 
Os familiares adentraram no salão onde a mesa estava posta  com esmero  e ali foram saboreados  os melhores quitutes  e doces existentes na época. Os noivos de mãos dadas procuravam um recanto  e deixaram-se ficar sentados ali olhando um para o outro e nesse momento o Lucas falou: 

- Elysa não quero que fiques nervosa, preciso  lhe dizer que lhe amo realmente com um grande carinho  no coração  e prometo que lhe serei sempre fiel.
Elysa olhou-o  no fundo dos olhos  e percebeu a sinceridade  daquele homem  e sentiu uma ternura enorme  por Lucas e falou:
- Eu gosto muito de você Lucas e serei uma esposa dedicada  e fiel, procurarei sempre lhe fazer feliz. E ao falar sorriu para o marido, tornando-se mais  linda. 

                                                                  Capítulo XIV 
 
De um recanto afastado, de copo na mão, Licurgo não perdia um só gesto, um só movimento de lábios  do casal, ele sentia-se rejeitado, frustrado, porque  sabia não conseguiria  aquela mulher  para ele e naquele momento  invejava  terrivelmente o irmão. 
 
Como tinham que passar a noite de casados ali e só viajariam  no dia seguinte, Elysa pediu a compreensão de Lucas para que ela dormisse  no seu quarto de solteira  e só começasse a vida  realmente  de casados  ao chegarem a nova morada, isto é, no castelo de S. onde iriam residir. 
Lucas, um pouco decepcionado, concordou  e assim foram, cada um, dormir em quartos separados aquela noite. 
 
Ao chegar a seu quarto, a ama Maria lhe falou baixinho  que alguém estava lhe esperando  perto do terraço  e precisava  muito lhe falar. 
Elysa, acompanhada da ama, foi ao encontro da pessoa,  e ao vê-lo sorriu  de alegria. Josué pediu-lhe desculpas  por estar incomodando e lhe fez um pedido: Gostaria  que pedisse ao Barão Macário  de S. para leva-lo para sua nova residência, a fim  de melhor poder ajudar  em algo  que ela precisasse. Elysa sabia, ou melhor, pressentia, o amor espiritual  que havia entre eles e pensou: 
 
Como gostaria que Josué fosse conosco, pois é uma pessoa  leal, sincera, alguém que posso confiar  sempre. Segurou-lhe as mãos e lhe falou: 
 
- Josué farei o pedido ao próprio Lucas e sei que ele não me negará, pois me quer bem. Podes ficar tranqüilo, sei da sua lealdade  para comigo  e só tenho que  lhe agradecer tanta generosidade. 
 
Assim, voltou ao quarto junto com a ama Maria  e recolheu-se  para dormir. 
 
Acontece que esse encontro não passou despercebido  a Licurgo, este estranhou  aquele rapaz  sempre por perto  do salão e seguiu-lhe o passo e o viu dirigir-se  na direção do quarto de Elysa. 
 
Viu quando ela chegou apressada, notou quando ela segurou-lhe as mãos e sorriu ao despedir-se. De longe a sua imaginação fértil, começou a imaginar  coisas incríveis. Um simples gesto de mãos e na mente do rapaz, ciumento e despeitado, tomava proporções  enormes. 
Quando Elysa  e Maria retornaram  ao quarto  ele ainda sentiu vontade  de chamar  o camponês e lhe pedir satisfação, mas se controlou, pois sabia que todos na família queriam muito bem ao Josué. Mas, de agora em diante ficaria de olho nele, assim pensava, quando dirigiu-se  a seu quarto. 

                                                                   Capítulo XV 
        
Na manhã seguinte todos levantaram cedo e assim que o Marquês desceu  para o salão, Elysa pediu ao seu pai que permitisse levar Josué  consigo, pois era uma pessoa  que podia confiar. Era leal, e não se sentiria tão sozinha, num lugar onde a maioria eram estranhos. 
 
O pai não podia negar esse pedido, tão feliz estava,  e logo mandou chamar Josué  e avisou-lhe que  preparasse  sua mochila de  roupas, que a partir daquele dia ele ficaria a serviço de Elysa no castelo dela. 
 
Saiu o rapaz a correr, feliz, sabendo que estava tomando  a direção certa do seu caminho. Todas as noites Josué costumava orar  e pedia orientação  ao seu anjo da guarda, que lhe indicasse o melhor caminho a seguir e sempre ouvia  suas orientações que lhe eram intuídas. 
 
Exatamente às 10h  daquela manhã  a caravana transpôs  a ponte  que separava os campos do castelo e puseram-se  a cavalgar  em direção  das enormes  muralhas  que se avistavam  ao longe. Ao passar pelo portão de ferro, Elysa estava  nervosa. Deixava de ser, aquela menina mimada,  e daqui por diante  seria uma mulher, esposa do Lucas, assim pensava ela. Novos caminhos, uma nova vida lhe esperava. 
 
Assim seguia a caravana devagar, lentamente. À noite deram uma parada  para descanso dos  cavalos e dos viajantes. Foi aceso um fogo para  esquentarem algum  alimento  que foi distribuído a todos  e depois de algumas horas, logo cedinho retornaram  a caminhada. 
 
A paisagem continuava verde, alguns trechos muito floridos com montanhas ao longe e como tudo era novidade  Elysa deixava-se  dar asas à imaginação, de como tudo era belo. De repente seu rosto entristeceu  lembrando-se da mãe, mas ao mesmo tempo pensou: "Sempre que puder pedirei  ao me marido  para vê-la  e virei sempre visitá-la, tenho certeza que ele  não me negará  a atender-me". 
 
Nesse momento sentiu a presença do marido, sempre gentil e atencioso, Lucas aproximou-se perguntando –lhe se estava bem  e se sentia muito cansada. 
 
Elysa balançou a cabeça negativamente num gracioso gesto,  fazendo que uns cachos do seu cabelo  saíssem da elegante touca  que lhe cobria a cabeça. Olharam-se com ternura  e sem mais dizer palavras, Lucas afastou-se para falar com outras pessoas. 

                                                             Capítulo  XVI 
 
De um recanto Licurgo continuava a espreita, não conseguia desprender os olhos de Elysa, acompanhava-lhe os menores movimentos, os mínimos gestos,  a maneira dócil e amável  como ela se dirigia a todos, sem fazer diferença de classe social. 
 
Na sua mente obsessiva, Licurgo cada dia mais se sentia irritado com Josué, não suportava sua presença  e procura sempre que tinha oportunidade de implicar e humilhar  o rapaz. Fazia isso sempre as ocultas  para que ninguém percebesse. 

Assim continuaram nessa jornada durante seis dias  e já no alvorecer, do sétimo dia avistavam ao longe  as divisas do castelo o que deixou todos  ansiosos e felizes.
A marcha continuava. O arvoredo, os pássaros diversos saltitando de galho em galho, a natureza era pródiga  de beleza  naquele lugar. 
 
Finalmente transpuseram o portão de entrada. Era uma fortaleza. Elysa olhava ao redor e não avistava onde terminava a muralha que circundava  aquelas terras. Via o castelo ao longe, impressionante. 

Cinco torres enormes se destacavam  e no centro na   maior delas, existia um enorme relógio  e abaixo deste  o brasão da família. Em forma de escudo, incrustado na pedra, via-se a figura de dois leões e no meio deles  o ramo de uma planta  que Elysa não sabia explicar qual era. Era ao mesmo tempo bonito e assustador, pois demonstrava o poderio  dos senhores que ali residiam. 
Chegaram finalmente à frente do castelo onde ela agora seria  chamada de Senhora. Lucas ajudou-a a descer da carruagem  e adentraram, no enorme portão, onde seis empregados bem vestidos  tomavam sentido como se fossem guardas do castelo. A uma ordem do barão Macário de S.  os seis homens abriram a pesada porta de ferro, por onde passaram todos  para a parte interna do castelo. 

Ali dentro estava um grande  alvoroço, todos queriam conhecer a Senhora que conquistara o coração do Lucas. Por isso, eram grande os cochichos, palavras de admiração,  sorrisos, e assim receberam os viajantes cansados, mas felizes por chegarem ao destino finalmente.
O Barão pediu silêncio a todos  e imediatamente tudo se aquietou  e ficaram a espera de ouvi-lo falar. 

                                                               Capitulo  XVII 

- Quero comunicar que  trago  a esposa do meu filho Lucas para este castelo  e de agora em diante peço-lhes que a amem como a mim. A nova Senhora é filha de um grande amigo e com o tempo vocês a conhecerão melhor  pois é uma pessoa muito prendada. 
 
Que Deus seja Louvado!
Assim terminava sempre qualquer discurso com  seus trabalhadores. Eram gente simples, a maior parte não sabia ler nem escrever, mas o Barão Macário procurava  fazer o possível  para que todos vivessem bem, embora aquelas pessoas não tivessem perspectiva de melhora de vida, continuariam servindo ao Senhor feudal até a morte. 

Terminada a oratória, foram todos para o castelo, entraram  em grande sala onde recebiam  as visitas e depois as mulheres foram conduzidas  aos seus quartos  para descansarem. 
 
Maria seguiu junto com Elysa  para ajuda-la no que fosse necessário. O quarto destinado a Elysa era simples  mas de bom gosto. As paredes eram todas de pedra  e para clarear o ambiente  colocaram cortinas de cânhamo que balançavam ao sabor do vento. Ao lado da cama uma grande arca  com pés trabalhados na madeira coberta com um pano de linho dava um ar alegre e limpo no ambiente. 

A cama estava coberta com lençóis de linho e no espaldar grandes almofadas de  cânhamo , que enchiam com palhas, davam um toque gracioso.  Elysa olhou tudo demoradamente e sorriu aprovando  o que estava vendo. 
 
Precisando ir ao banho, pois estava coberta de suor e poeira dirigiu-se ao quarto  que se comunicava com o seu e viu que aí era o quarto de banho. Existia uma espécie de tina de madeira  onde tomavam o banho e no outro extremo do quarto o sanitário era  um buraco feito no chão do quarto, coberto com uma tampa. As necessidades ali eram expelidas  e caiam fora do castelo. 

                                                              Capitulo XVIII 

Havia empregados  encarregados de colocarem terra  em cima dos excrementos  e de tempos em tempos colocavam aquilo tudo dentro de uma carroça  e despejavam bem longe do castelo. Às vezes o cheiro ficava insuportável  e era necessária tal medida  de higiene. Naquela época era o máximo que podiam fazer, pois não tinham conhecimento como agir de outra maneira. 
 
Elysa falou para Maria ir também descansar  no quarto a  ela destinado, na outra ala do castelo, e sozinha desembaraçou-se de toda  aquela roupa  suja e pegajosa  e com prazer entrou naquela banheira  sentindo a água aliviar-lhe o calor. Lavou os cabelos longos e após vestiu-se com simplicidade e deitou-se  um pouco para descansar  e logo adormeceu. 
Assim, dormindo serenamente, a encontrou Lucas, pois depois de ter dado ordens aos empregados  sobre diversos afazeres  havia se encaminhado para o quarto do casal. 
 
Sem querer perturbar o sono da jovem esposa, ele dirigiu-se ao seu quarto de solteiro e ali se banhou desfazendo-se daquelas roupas sujas. Enquanto se trocava pensava nas maneiras  graciosas que Elysa possuia e uma grande ternura e amor  por essa mulher no seu peito crescia. 

                                                                    Capitulo XIX 
 
Seus passos decididos e fortes  encaminharam-se novamente  para o quarto de casal, aproximou-se da cama e sentando-se nela ali ficou admirando a mulher  adormecida.
Tocou levemente sua mão com carinho  e ela depois de alguns instantes  abriu os olhos  e assustou-se: 
- Lucas que fazes aqui?
- Esqueceste que somos marido e mulher? Estava a admirar-te  minha querida esposa e cada vez mais me sinto feliz  em saber que és minha  e que nada, só a morte  poderá nos separar.
Elysa lia no olhar do Lucas o quanto era amada e também intimamente agradecia  a Deus ter lhe reservado  para esposo  um homem de sentimentos como o Lucas. 
 
Suas mãos continuavam unidas e seus lábios foram se aproximando devagar  e agora selavam  com um beijo apaixonado, as horas de intensa ansiedade  que viveram nas últimas horas. 
 
Os dois corpos unidos  satisfaziam seus desejos  e o tempo foi esquecido  por aqueles dois jovens  que  descobriram o amor. 
 
A noite se aproximava e Elysa  com a cabeça  recostada no peito do Lucas  sorria feliz por tantos momentos de prazer  que tinha sentido  ao lado do marido.
Nesse momento batem na porta do quarto.   
        
Adélia, a velha empregada do castelo, pergunta se o “menino” e a esposa  quer descer  para o jantar. 
 
Eles, olham-se, sorriem  e dizem  não estarem com fome e falando  mais alto pedem que Adélia  peça para trazerem no quarto e deixarem  sobre a mesinha na sala de entrada. 
 
Voltou a colocar  os braços  em volta da amada  e os carinhos  recomeçaram... 
     
                                                                    Capitulo XX 

O dia seguinte estava radioso, o sol veio a clarear o ambiente do quarto,  alegrando com sua luminosidade e calor os dois jovens ainda adormecidos nos braços um do outro. 
Uma leve pancada na porta do quarto, despertou Lucas  que espreguiçando-se  e momentaneamente  fechando os olhos, levantou-se, vestiu um casacão cinza, amarrou na cintura  e foi abrir a porta. 
 
Ali, a velha ama, pedia que descessem para o café pois já estavam  todos sentados à mesa  e esperavam pela presença  dos noivos. Sorriu para a velha ama  e lhe falou: Está bem Adélia, já vamos descer, logo. 
 
Fechou a porta  e seu olhar dirigiu-se  a sua mulher  que despertava. Achou-a mais linda e graciosa, seus cabelos soltos  e longos desciam em cascatas  pelos ombros  emoldurando  o rosto angelical. Era de uma beleza  fora do comum, pensou Lucas e eu a amo como ninguém. Ajudou-a  a levantar  com delicadeza e foram se trocar  para descerem  pois a família  desejava o comparecimento  de todos  na hora das refeições.
Depois de prontos tomou-lhe as mãos  e descendo as escadas  encaminharam-se  para  a mesa onde todos estavam reunidos. 
 
A chegada deles foi uma alegria geral com exceção de uma pessoa  que aparentava uma felicidade  que não sentia e dentro de si só  desejava  estar bem longe dali para não ficar assistindo  a tanta felicidade. Isso lhe incomodava  demais  e lhe causava  grande sofrimento  interior. 
 
Licurgo  não era mais aquele jovem despreocupado, desde que conhecera Elysa  algo o tocou, e muitas vezes  ao deitar adormecia  e a buscava em sonhos, sem dar-lhe descanso. 
 
Mesmo quando queria tira-la do pensamento  não conseguia. A imagem da mulher  estava constantemente  em seu pensamento. Tinha-se tornado uma obsessão, aquela noite tinha sido infernal para ele, quando a imaginação fazia  ver seu irmão Lucas  abraçado a Elysa  e os dois amando-se felizes. Era realmente desesperador o sofrimento que passava o Licurgo. 

                                                                  Capítulo  XXI 
 
O jovem casal jamais poderia  adivinhar  o sofrimento que causavam  pois eram pessoas  extremamente  sinceras  e confiantes e acreditavam  que todos estavam  felizes  com a união dos dois, inclusive  Licurgo, por quem tinham  o maior afeto e atenção. 
 
Após o café, Licurgo deu ordens  para encilhar  seu cavalo, e saiu em disparada  a cavalgar sem rumo por seus domínios, sem encontrar  um meio de aliviar o peso que sentia dentro de si. 
 
Na sua mente fértil, agora sintonizada  com espíritos menos esclarecidos, pouco a pouco, via ser formado  um plano para separar  Elysa e Lucas. Saberia ter paciência  e esperar, mas tinha a certeza absoluta  que  um dia, teria aquela bela mulher  em seus braços. Aí então a protegeria e iria ama-la como a uma deusa, pois ninguém a amava tanto como ele. 
 
Voltou do passeio, quase na hora do almoço, suado, nervoso e subiu logo para seus aposentos  para se refrescar e ao passar na frente  do quarto  do casal, ouviu murmúrios  e risos, o que fez entrar  no seu quarto  e bater ruidosamente  a porta  fechando-a, para não escutar  nada  e isolar-se  na sua dor  e com  seus terríveis  pensamentos . 

Os dias transcorriam aparentemente  serenos  naquele feudo. Pouco a pouco  Elysa  ia conquistando  a todos, pois de boa índole procurava participar  e cooperar  com os menos favorecidos, levando-lhes roupas  usadas, alimentos principalmente, para que todos  pudessem  ter uma vida  simples  e digna. 
 
Qualquer doença  que um membro  de qualquer família  tivesse, e ela fosse informada, poderiam estar certos  que não faltaria para eles  o remédio necessário  e toda a ajuda  de outros membros  formadores  do feudo. 

                                                                  Capitulo XXII 
 
Por tudo isso ela se tornava  dia a dia,  a amiga , a senhora querida  e amada por todos. A sua paciência, o seu carinho,  a atenção que dispensava a todos fazia  que o espírito  de Elysa  fosse um ponto de luz  em qualquer lugar  que se encontrasse.
Vamos fazer correr os meses, repletos de amor e felicidade, até que um dia voltando  o Lucas da inspeção dos trabalhadores encontrou sua mulher  com um sorriso diferente  a lhe dizer: 
 
Lucas, preciso  muito lhe falar, mas estou um  pouco  receosa, não sei se irás gostar. Ele olhou-a  com carinho  e exclamou: - Fala minha esposa querida, o que te faz tão feliz?
Com os olhos  brilhando Elysa exclanmou: Vamos ter um filho. 

Lucas não conseguia  nem respirar  de tanta felicidade  e desceu correndo a escadaria  abaixo para dar a noticia  a todos os familiares e encontrando  o Licurgo  abraçou-o dizendo: Vais ser tio, não é maravilhoso ? 
 
Licurgo abraçou-o  e confirmou com a cabeça ao mesmo tempo pensando. Não posso esperar muito tempo  para executar  meu plano. Esse filho vai uni-los  cada vez mais  e tenho que agir rápido. Vou pensar em tudo, em todos os pormenores para que nada  saia errado. Sei que ela sofrerá no começo, mas com meu amor  saberei fazê-la esquecer  de meu irmão e ela será só minha. 
 
Os espíritos sintonizados  com Licurgo  faziam que ele visualizasse  a vitória  do seu plano  e tivesse  a certeza  que sairia vitorioso. 

                                                                    Capítulo XXIII  
 
Ah! Como são as criaturas, quão difícil  é o caminhar  em busca de uma relativa  perfeição. Todos seriam tão felizes  naquele feudo se existisse  sinceridade  e não tivesse  o Licurgo  permitido  que entidades  maléficas  se aproximasse  e desse  vazão, através dele, de tanta maldade.Bem que o Mestre Jesus nos alerta  sempre: “Orai e vigiai  para não cairdes  em tentações”.  
        
Deitado sobre a cama, Licurgo dava asas a sua imaginação. Tivera uma idéia  e achava que ia dar certo. Poderia afastar o irmão, por qualquer motivo, e sozinho seria mais fácil  realizar o que planejava. Deixaria correr os meses  e na época  do nascimento da criança  resolveria o problema. 
 
Sentado no chão na porta do seu quarto, Josué meditava. Sentia o coração oprimido, como se pressentisse  a vinda de coisas ruins, que nem ele conseguia adivinhar. Sentia que Licurgo seria um obstáculo a felicidade da Elisa e Lucas, mas não encontrava meios de interferir  e ajudar sua querida amiga. Via que ela estava feliz  e sempre lhe falava  o quanto Lucas  era bom e dedicado e que Josué não precisava  se preocupar com nada, pois com a chegada do filho  à felicidade  para eles estava completa. 
 
Ficou refletindo Josué em tudo que assistia  diariamente, via as insinuações do Licurgo para Elysa e não lhe passava despercebido  nada. Mas, ele saberia ficar atento para que nada de mal acontecesse a ela e a criança. 
 
Assim os meses foram transcorrendo e quando Elysa completou sete meses Licurgo dando início  a seu plano fez chegar às mãos  do irmão  um bilhete vindo de outro dono de feudo. Sr F desejava vê-lo com urgência  a fim de tratar de negócios  importantes. Sendo o filho mais velho e o futuro herdeiro do feudo ele teria que resolver qualquer problema  ou negócios da família. 
Para conseguir esse bilhete Licurgo havia pago muito bem  a um servo  de sua confiança  e sabendo que o Sr de F.  estava querendo vender  umas terras  muito prósperas, pediu ao servo que cuidadosamente fizesse  chegar ao conhecimento  dele  que seria bom oferecer  essas terras  a Lucas, pois era bom comprador e gostaria de aumentar  seus domínios, já que estava esperando um filho. 

                                                                      Capítulo XXIV 
 
Assim que recebeu o bilhete do Sr F. Lucas pensou em não viajar pois teria que ficar ausente  mais ou menos  um mês e não gostaria de ficar distante  da Elysa tanto tempo. Acontece que seu pai, o Barão,  aconselhou-o a ir pois não estava sentindo-se bem e ele teria que já começar  a pensar no futuro do filho que estava próximo  a nascer. 
Essas palavras fizeram Lucas  resolver e assim  marcou para dali a duas semanas  sua ida. Pediu muito ao pai ,  e a Josué a quem ele muito confiava, a sua velha ama também, que cuidassem com carinho  de Elysa  e assim poucos dias  depois  chegou à hora da partida. 
 
Abraçaram-se longamente e do alto da janela do seu quarto, Elysa via a carroça puxada por dois cavalos brilhantes, indo pouco a pouco  se distanciando.
Como ficou tudo tão triste para Elysa depois da partida de Lucas. Sentia-se sozinha e triste, por isso pelas manhãs costumava  andar , fazer caminhadas a pé, pois a velha ama tinha lhe falado que era bom para ela e seu bebê.
O amigo Josué  estava sempre ao seu lado, às vezes riam por qualquer coisa, porque eram inocentes  e não tinham maldade  no coração. Era um amor muito grande, mas de almas, de espíritos sintonizados, nada tinha de atração física. 

Mas Licurgo não estava gostando nada desses passeios quase diários que os dois faziam. Estava ansioso que Elysa  tivesse a criança para poder dar prosseguimento a seu  plano monstruoso. 
Faltava uma semana para a data da vinda da criança, quando uma noite ao deitar, Elysa começou  asentir contrações. Licurgo sempre por perto muito solícito, chamou a ama para cuidar de Elysa e não a deixava só,  sempre denotando muita alegria com tudo que estava acontecendo. 

                                                                 Capítulo  XXV
 
Quando a ama veio anunciar que um menino tinha nascido, a mãe não segurou o choro de alegria  e mostrava a todos como era lindo. Assim poucos minutos depois, extenuada pelo esforço do parto, adormeceu feliz e a ama também ficou ressonando sentada  numa cadeira  junto à cama. 
 
Eram altas horas da noite quando um vulto esgueirando-se  pelo corredor  penetrou no quarto  e cautelosamente pegou a criança  que estava enrolada  numa manta, sumindo com ela. 
 
Já perto das muralhas, onde se encontrava seu comparsa,  o homem  lhe entregou um saco com moedas de ouro a fim de que fosse aberta uma porta secreta  que dava saída pelo subterrâneo do castelo. Essa saída só era conhecida pelos senhores proprietários, mas tinha sido revelada  a esse homem  com o fim de dar certo o plano e que ele desaparecesse  com a criança sem deixar vestígios. Um deles passou a criança para outro e retornou ao castelo. 
Os dois não perceberam que outro vulto seguia os movimentos  desse homem desde que ele saíra do quarto carregando a criança, e assim que ele  conseguiu  transpor  pelo subterrâneo  as muralhas do castelo  e entrava no bote que estava a sua espera  ali ancorado, o vulto de Josué  se aproximou  e lhe falou: 
 
Dá-me a criança, eu ficarei com ela e tu podes desaparecer com teu ouro que ninguém irá te encontrar mais. Só exijo uma palavra tua, que me digas o autor desse plano monstruoso. O homem rude lhe contou  que tinha sido Licurgo e estava apenas cumprindo ordens  do patrão. Que o deixasse fugir para longe, já que estava com muito dinheiro e não pretendia retornar. 
 
Josué pensou um pouco  como resolver aquela situação. Não poderia dizer a verdade a ninguém pois isso iria desencadear uma revolta na família. Ninguém iria acreditar nele, pois Licurgo sempre aparecia como bom moço  e não demonstrava  nunca suas más qualidades.

                                                                     Capítulo  XXVI 

Assim é que resolveu sair dali  com a criança  a fim de salvá-la  de qualquer mal  e depois, pensava, quando tiver distante, procurarei  achar um meio de contar a Elysa o que aconteceu. 
Conseguiu com o rude homem atravessar com o barco pelo canal subterrâneo indo sair já dentro da floresta e aí se despediu  do outro  e lhe pediu para sumir dali para sempre, e assim se deu. 
 
Agora, achava-se Josué sem saber o que fazer. Uma criança pequenina precisando de cuidados, longe da mãe, e ele sem recursos  para sustentá-la e precisando urgentemente se afastar dali com medo de Licurgo e do que ele poderia fazer se visse que a criança estava viva e com ele, Josué. 
 
Assim caminhando, passou a noite e ao amanhecer ouviu ruídos  de carroças  e escondeu-se  e ficou a observar:    
        
Logo apareceu a sua vista o carroceiro, Luis, que ia levar verduras para algum lugar e como estava se dirigindo para a saída das muralhas, Josué aproveitou  que ele ia devagar e sem que ele visse, alojou-se junto aqueles sacos e a criança coberta. Assim conseguiu sair daquelas terras. 
Preocupava-se com a criança, pois não tinha como alimenta-la  e nessa preocupação estava tão concentrado que depois de algum tempo viu que a carroça estava parada e o homem lhe olhava interrogativamente. 

- Você não é o Josué? Que estás fazendo com essa criança aqui na minha carroça? 
Josué pediu ao homem que tivesse calma, mas que continuasse a caminhada  que lhe explicaria  tudo o que ocorrera, pediu-lhe que confiasse nele. 
Assim caminhando em cima da carroça eles foram conversando e Josué teve que contar o segredo para Luis, pedindo a ele para não revelar a ninguém, pois queria salvar a criança. Falou da sua preocupação com o futuro dela até que pudesse se comunicar com a mãe dela. 

O velho Luis pensou e lhe falou que tinha uma neta que morava perto dali  e que tinha tido uma filha fazia pouco tempo, era gente simples mas que poderia cuidar  da criança. Se Josué quisesse poderiam lhe dizer que a criança era filho de  Josué e que a mãe havia morrido de parto, isso tudo para dar explicação às pessoas. Depois tudo seria esclarecido, assim falava, com mais tempo para pensarem o que fazer. 
Josué ouvia pacientemente  tudo o que Luis falava e entendia  que no momento  era a única solução, pois a criança precisava de cuidados  e ele não sabia o que fazer nem como alimenta-la. 

                                                              Capítulo  XXVII 

Por instantes pensou no sofrimento de Elysa, mas agora  tinha que cuidar do filho dela, era o mais urgente. Entraram num acordo, ele e Luis, e foram estrada afora o mais depressa possível, a caminho da casa  de Clara, neta de Luis. 
Chegando lá, contaram a história que tinham inventado. Clara sem desconfiar de nada  recebeu-os  com amor e resolveu que eles poderiam  passar um tempo  na  sua casa, ela ajudaria a cuidar da criança e em troca Josué ajudaria  seu marido Antônio na lavoura de um pequeno pedaço de terra que cultivavam e de onde tiravam  o necessário  para o sustento da família. 
Apressou-se para  alimentar a criança, olhou o rostinho rosado  e lindo daquele garoto e sorriu:
- Não sentirás falta de uma mãe, pois eu prometo que vou cuidar de ti como se tua mãe fosse, nunca te deixarei sozinho, podes ter certeza disso. 

Vamos deixar a bondosa Clara nos seus afazeres  e voltemos ao castelo para narrar o que estava acontecendo naquele momento. 
Licurgo correu para o quarto da Elysa quando ouviu o grito que deu a velha ama, ao descobrir  que o berço estava vazio. Elysa também acordou  naquele momento  e quando a velha ama falou que o menino  não estava, ela não acreditou. 
Como era possível? Seu filho estava deitado ali, ela o vira antes de adormecer, mas o que estaria acontecendo santo Deus?
Elysa tentou levantar, a dor, o desespero  invade  o ser  e ela não sabe o que fazer, só chorar e pedir aos gritos: - Quero meu filho, meu filho onde está ? 

Em vão as  pessoas tentam acalma-la, pedir-lhe que espere que todos vão procura-lo.Tudo inútil. Licurgo dá ordens aos gritos  para que procurem por toda a parte a criança desaparecida e o responsável por tudo que estava acontecendo. Quem o via naquele estado de desespero, jamais acreditaria  ter sido ele o autor  de um plano tão monstruoso. 
Depois de horas de procura um servo lhe diz que Josué não se encontrava ali, que não sabia para onde ele havia ido. 

Licurgo aproveitando aquela notícia lança a suspeita  no ar que o rapto da criança  foi realizada por Josué.  E, imediatamente, chama outros servos  e manda comandar  uma caçada ao rapaz dando vazão assim a inveja que sentia da amizade de Elysa por ele.
O rebuliço no local foi grande, o barão Macário prometia ajudar aos servos que conseguissem  alguma pista do que tinha  acontecido. Mas, nada, tudo acontecera de tal maneira que ninguém tinha visto nada e a criança sumira de um jeito que ninguém saberia explicar como. 
Chegara a noite e aquele lugar antes tão feliz, agora só era dor e sofrimento. Elysa, olhar parado no espaço, continuava chorando e chamando pelo filho e assim adentrou a noite... 

                                                                  Capítulo  XXVIII 

Licurgo, nervoso com o sofrimento de Elysa queria ajuda-la, mas não tinha coragem e ficava a seu lado apenas pedindo que ela se acalmasse. O barão Macário pensava em seu filho Lucas,. O que ele iria dizer ao não encontrar seu filho, tão desejado, tão esperado? 
Chegou a manhã, outro dia passou, e as esperanças de encontrar a criança  foram se desvanecendo. Já tinham percorrido toda a extensão além da grande muralha do Castelo e ninguém tinha visto nada, nem percebido nada. 

O Barão Macário refletia: a única  coisa estranha  que acontecera  fora o sumiço do Josué. Onde estaria ele? Ao mesmo tempo não queria acreditar que aquele moço que parecera sempre tão digno, tão respeitoso, e que era amado por todos, que tivesse agido  de uma maneira  tão indigna realizando um rapto. E se fez isso qual a razão? Quais seriam os motivos? 
O Barão Macário cismava  com tudo que acontecia  e ao mesmo tempo não resolvia o que podia fazer para ajudar  a encontrar  a criança. 

Deixemos  o feudo e voltemos aquele lugar onde a Clara, seu marido e a filhinha Lúcia viviam. Agora  tinham mais duas pessoas fazendo parte da família  e como a casa deles era pequena, alojou-os num quarto que havia no quintal com vista para  a horta que cultivavam. Ali, naquele quarto, feito de pedra, Clara e o marido  fizeram uma cama de palha  para Josué  e  outra para a criança. 
Josué pensava: nem nome tem essa criança, vou escolher um nome para ela e lembrando do pai dele deu-lhe o nome de Antônio. Nessa época, chamavam-se  os filhos  e os donos dos feudos pelo primeiro nome, seguido do nome de seus domínios. E Josué pensava: 

Antônio, seria simplesmente Antônio, pois seria perigoso chamá-lo de outro modo e  receava que chegasse ao conhecimento do terrível Licurgo. Um dia tudo seria esclarecido, mas no momento  teria que continuar ocultando-se de toda a gente daquela família, pois não sabia o que estava se passando. Como ele havia desaparecido também, talvez pensassem que ele tinha alguma culpa pelo ocorrido.
E o sofrimento da Elysa, sua querida amiga. Como estaria ela? Quanta dor pela perda do filho. Mas um dia, pensava Josué, ela e Lucas tomariam conhecimento de toda a verdade.   

                                                            Capítulo  XXIX  
        
Os dias foram transcorrendo nessa procura  e chegou o dia  que as cornetas  anunciaram a chegada do Senhor Lucas de S. aos seus domínios. 
Lucas entra correndo, sobe as escadarias num relâmpago, a fim de matar as saudades de sua adorada  mulher  e conhecer o filho que já imaginava belo e forte em seus braços. Mas ao penetrar no quarto encontra uma sombra de mulher. Elysa magra,  triste, com o semblante inchado de tanto chorar, atira-se em seus braços soluçando. 

Lucas ouve as palavras do seu pai contando –lhe o que sucedera  na sua ausência e explicando ao filho que já não tinha esperanças de rever a criança. Lucas sentiu como se o apunhalassem no peito. Todos os sonhos desfeitos em poucas horas, toda sua felicidade. E agora já não era suspeita, só podia ter sido  Josué o raptor. Não havia dúvidas. 
Chamou Licurgo e como ouvia muito o irmão, pediu-lhe opinião sobre o assunto. Licurgo acusou com veemência  o rapaz dizendo que ele deveria ter feito isso  por vingança, pois já tinha notado que ele amava Elysa. Covarde, é o que ele era, portanto tinham que caça-lo e dar um fim aquele que lhe causara tanto mal. 

Lucas que era um espírito de luz, agora motivado pelas palavras do irmão,  mas desequilibrado pelas emoções do momento, aceitava as justificativas que devia fazer justiça  pelas próprias mãos. Imediatamente reuniu mais de quinze servos  e resolveu ele mesmo comandar a procura  pelo filho  e fazer justiça. 
A ponte levadiça foi abaixada e por ela passaram os irmãos Lucas e Licurgo, unidos, confiando um no outro, a fim de fazer justiça. Que ironia meus irmãos! 

Enquanto isso no seu quarto, à noite, à luz de velas, Josué sentado em sua cama  de palha pensava: O que fazer? Eram passados dias, tudo corria tranqüilamente. Antônio estava sendo bem alimentado e cuidado, mas o pensamento de Josué  estava voltado  para o sofrimento de Elysa. A dor que ela estava sentindo ele sabia, era grande demais, pois tinha assistido a ansiedade e o amor com que aquela criança tinha sido esperada. 
Precisava dar noticias de Antonio a Elysa, mas como fazer? Não podia voltar para o castelo, ele bem pressentia. Também não confiava em ninguém, a não ser  Luis, para poder enviar um recado avisando que o filho estava vivo  e bem de saúde. Resolveu que no dia seguinte  tentaria chegar mais perto  das muralhas do feudo  e daria um jeito de conseguir enviar um recado para a mãe da criança. 

Assim adormeceu,  e liberto do corpo físico, Josué encontrou com um espírito protetor. Ele pediu ajuda para aauele problema que estava vivenciando e também que ajudasse  Elysa  confortando-lhe  naquele momento de dor. 
Pela manhã Josué  acordou leve, tranqüilo e com a certeza  do que era melhor fazer.  Aproveitou a ida de Luis, que naquela manhã  ia sair com a carroça, e pediu para ir junto até um trecho da estrada, dali ele poderia seguir seu caminho. 
Assim, chegando a um trecho de floresta densa , ele saltou da carroça  e procurou se esconder na mata. Tinha que caminhar escondendo-se  até encontrar alguém de confiança. Assim é que foi caminhando cautelosamente no meio da mata. 

                                                            Capítulo  XXX 

Ao longe, ouviu latidos de cães,  e vozes que falavam o tempo todo. Ficou esperando quieto a passagem deles, quando viu surgir ao longe, na frente dos servos a figura de Lucas e junto a de Licurgo. Recuou, ficou imóvel a espera da passagem de todos, mas nesse momento os cães começaram a latir  insistentemente e Licurgo falou: 
Acho que esses cães estão sentindo algo no ar  pois estão inquietos e temos  que descobrir  o que é. Soltou as correntes  que os prendiam  e a seguir  Josué se viu arrodeado  de cães  que latiam  furiosamente ao seu redor. Não adiantava fugir, pensava ele, tinham-lhe descoberto e as coisas agora  teriam que ser esclarecidas, mesmo na frente de Licurgo. 
Os servos arrodearam  o moço, afastaram os cães e uma voz  autoritária  se fez ouvir, a de Licurgo, ordenando:
Tragam esse traidor aqui junto de nós, ele terá que prestar contas  do que fez. Descendo dos cavalos  os dois irmãos se aproximaram  e Josué falou para Lucas:
- Senhor, escute-me, precisei afastar-me do castelo com o seu filho... 

Mas Licurgo imaginando rapidamente  o que tinha  acontecido sentiu que não podia  deixar aquele homem  falando  e ele deveria  ser calado  rapidamente. Para isso, retirou a enorme faca  que usava na cintura e aproximando-se  rapidamente, enterrou  na altura do coração do moço. Josué sentiu o sangue borbulhar, ensopar suas  roupas e caiu imediatamente olhando para o criminoso. 

Todos ficaram surpresos  com a atitude do Licurgo que se justificou com as palavras. “Todo traidor merece a morte”.
Lucas assentiu que  também achava assim mas que o irmão  não devia ter se precipitado, pois precisava perguntar  pela criança se ainda estava viva, e agora como saber? 

Licurgo falou-lhe: - Meu irmão, achas que esse verme com o ódio que tinha de ti  deixaria teu filho vivo? É claro que ele matou a criança logo ao sair daqui. E sabe lá o que desejava tão perto do castelo, talvez raptar  Elysa, quem sabe? 
Novamente Lucas, aturdido  com tudo que estava  acontecendo falou: - Tens razão meu irmão. És sensato  no que dizes.  Que seria de mim sem a tua ajuda? Vamos  voltar para o castelo e temos que, com cuidado,  falar a Elysa  da morte do Josué  e da criança. 

                                                             Capítulo  XXXI  

A volta para o castelo  foi cheia de comentários  sobre a maldade de Josué incentivada  sempre pelas palavras  de Licurgo que não cansava  de acusar. No íntimo ele estava satisfeito, Josué levara a culpa do que acontecera e o verdadeiro raptor que tinha obedecido as suas  ordens  já devia estar muito longe daquelas terras, pois o dinheiro que lhe dera era uma fortuna, poderia comprar as terras que quisesse. Portanto, ele poderia ficar tranqüilo e dar prosseguimento aos planos de conquistar  o amor  de Elysa  e ficar com ela. 

Chegaram ao castelo e nessa mesma noite, em seu quarto, Lucas desesperado contou a mulher tudo que acontecera. A traição de Josué, a morte dele e  possivelmente da criança,  e que dali para frente não poderiam aceitar  mais ter esperanças em relação  a sua sobrevivência. 
Elysa chorou muito e Lucas também, mas um consolava o outro naquele momento  tão difícil e juntos  abraçados adormeceram  com os rostos  cobertos de lágrimas.
        
Na casa de Clara continuava ela a cuidar de sua filha e do pequeno Antônio com carinho e desvelo. À noite com a chegada do marido e de Luis em casa, e contando que Josué não tinha retornado, todos começaram a se preocupar. Algo devia ter acontecido com ele. 

                                                   Capítulo  XXXII 

O velho Luis, calado, pois era o único daquela família que conhecia a verdadeira história, meditava olhando a escuridão lá fora. Que teria acontecido ao bondoso Josué? Ele não abandonaria Antônio por  nada, tinha certeza disso. Algo de muito grave havia acontecido, ele pressentia. Depois de muito pensar resolveu, deixaer tudo nas mãos de Deus. Amanhã seria outro dia. E com esse  pensamento o velho Luis  se recolheu. 

Enquanto no plano terreno se desenrolava todo esse drama, na espiritualidade, após uns dias adormecido, Josué despertava e ficava ciente do que lhe tinha acontecido. Sentia-se apreensivo pensando em  Antônio. O que seria dele longe da mãe, sem ela ter conhecimento que ele ainda existia? 
Josué, espírito com grandes méritos, continuaria a ajudar Elysa, sua amiga e Antônio prometia ele a si mesmo. Só ficaria tranqüilo quando a verdade fosse restabelecida e o verdadeiro traidor fosse desmascarado. 
Assim, naquele dia, pediu permissão ao seu Mestre e amigo, e volitou até o castelo a fim de observar o que se passava. 

O casal Elysa e Lucas era uma tristeza só, numa  profunda depressão não estava querendo se alimentar. O espírito Josué deles se aproximou, aplicou-lhes um passe calmante e adormeceram. Conversou com  eles, espíritos, já afastados da matéria através do sono, explicando-lhes que não desanimassem, que necessitavam reagir pois o filho encontra-se bem e vivo. Consolou-os mas omitiu  a participação de Licurgo nessa trama. A verdade  iria aparecer  pouco a pouco.   
Já despertos, à tardinha, Lucas e Elysa sentiam-se  mais leves, mais tranqüilos e conversando  surgiu uma idéia. Talvez o seu filho estivesse vivo e deviam animar-se e nunca abandonar a busca. Enquanto houvesse uma esperança era necessário continuar. 

                                                            Capitulo XXXIII 

Na casa da Lúcia, ela o marido e Luis são surpreendidos com a notícia de que um rapaz tinha aparecido morto esfaqueado na floresta. Luis refletia em silêncio: Josué tinha lhe contado que  ia ver se conseguia  alguma pessoa para enviar um recado a Elysa no castelo. E se ele foi descoberto e o mataram? 
Eram só conjecturas, pois certeza mesmo não tinha, e o melhor era ficar de boca fechada e tocar a vida em frente. Sua filha amava muito Antônio e ele seria  um bom menino, pois saberia fazer dele um homem de bem. 

Voltemos a Licurgo e vamos observar o que se passa no íntimo desse moço. Ele não sabia mais o que fazer para despertar a atenção de Elysa sobre ele. Tornou-se mais amigo, confidente, e esperava o momento certo para completar  o plano concebido. 
Assim, passaram-se doze meses e achando que já tinha esperado tempo  suficiente, Licurgo  resolveu passar  para a segunda parte do seu plano. Como todos no castelo sabiam, os irmãos eram inseparáveis e muito amigos. Visto isso jamais suspeitariam dele, acontecesse o que acontecesse. 
O sol naquela manhã  estava radiante e Licurgo aproximou-se  do Lucas e falou: 

- Irmão, vamos cavalgar um pouco?  Vai te fazer bem, e precisamos sempre estar de olho no que é nosso não é verdade?
Lucas achou interessante o rapaz lembrar-lhe disso e confirmou:
- Está bem irmão, tens razão. Ultimamente tenho me descuidado um pouco do que é nosso. Vamos inspecionar  nossas terras sim. 
E assim, ordenaram  o encilhamento das duas montarias e partiram pela floresta  a galope. Depois de mais de meia hora de cavalgada chegaram à reserva de caça, lugar privativo dos senhores do feudo. Desceram das montarias  e sentaram-se  à sombra de uma grande árvore e aí ficaram descansando, sentindo o vento correr brandamente. 

                                                                 Capítulo  XXXIV

Licurgo, ardilosamente, começou  a obter confidencias de Lucas. Como estava  se sentindo em relação ao casamento, se estava  dando certo, etc. O plano de Licurgo era colocar em dúvida  a honestidade da mulher do seu irmão, para que este a deixasse. Licurgo, então saberia fazê-la sua. 
Porém viu que era impossível, pois Lucas confiava demais em Elysa. Licurgo chegou até a insinuar que deveria ter havido alguma coisa entre a esposa  do irmão  e Josué. E como haveria certeza de que o filho desaparecido era realmente dele? 
Lucas olhava para o irmão estupefato. Como poderia seu irmão pensar isso? Haveria alguma prova disso que ele falava? Ou eram só suposições? 

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Sem que os dois irmãos percebessem alguém estava  ali  juntinho a eles ouvindo atentamente o que diziam e principalmente as calúnias que Licurgo procurava fazer acreditar  ao Lucas, sobre Elysa. 
O ser invisível era Josué, o espírito de luz  que continuava protegendo  o casal  e dando seu passe espiritual em Lucas, intuindo  as respostas que devia dar ao irmão, e lembrando-lhe do amor terno da sua dedicada esposa. 
- Não deves escutar o que teu irmão fala Lucas. Assim passava mentalmente  o espírito Josué para o rapaz . E este, sentindo sintonia com o bom espírito, por ter sido sempre um homem de bem, conseguia forças  para afastar  os maus pensamentos  e todas aquelas insinuações  feitas pelo Licurgo. 
 
Este, vendo que não conseguia seu intento por mais que tentasse, começou a ficar irritado e discutir com o irmão sem ter nenhum motivo. Há muito Licurgo estava sendo orientado por espíritos menos esclarecidos, que ficariam felizes  em ver a desunião, a tragédia tomar conta daquele lar  e da família. 
Tanto é assim que Licurgo  num acesso de fúria e desespero por não saber mais o que fazer para afastar o irmão da esposa, falou-lhe que Eysa já se insinuara  para ele várias vezes,  e que ele a tinha respeitado por atenção ao irmão. Mas ela não era a pessoa íntegra que ele pensava. 

                                                        Capítulo  XXXV 

Aquelas palavras feriram profundamente Lucas e este levantando-se de um salto pediu ao irmão: 
 
- Retira as palavras que falaste, não estás dizendo a verdade. Repete tudo isso se és capaz. 
Licurgo, novamente repetiu tudo, com um jeito jocoso, arrogante e isso fez com que Lucas perdesse o controle  e se atirasse sobre o irmão. Os dois rolaram pela grama, batendo um no outro como dois inimigos. Nesse momento um forte estampido se fez ouvir e Lucas caiu apertando com a mão o peito e falando: 
- Ajuda-me meu irmão, estou ferido. 
 
Licurgo olha o irmão ferido, caído ali no chão, e de repente tem uma idéia. Espera que vou buscar ajuda, volto logo. Montou o cavalo e saiu em disparada.
        
O espírito Josué ali estava presenciando tudo, mas não podia interferir, não tinha permissão. Viu quando a arma do próprio Lucas disparou no momento que rolavam no chão, nisso o irmão não tinha culpa. Mas também lera o pensamento  que ocorrera a Licurgo e sabia muito bem que ele ia aproveitar-se da situação e que não voltaria  trazendo ajuda rápido como prometera. 
Por esse motivo, Josué precisava auxiliar Lucas, pois via que ele estava perdendo muito sangue. Rapidamente, volitou até a casa de Luis e intuía para que Luis saísse. Este vacilava, mas o espírito  intuía: "vá cavalgar um pouco, vai te fazer bem, não fiques só parado aqui em casa". Por esse motivo, de repente, Luis resolveu  sair e dirigiu-se à floresta, sendo sua direção  intuída  por Josué. 

Sabia que não poderia penetrar naquela reserva mas algo o impelia  para ir em frente. Assim, cavalgando, logo ouviu gemidos, e divisou  um homem caído, ferido ali naquele recanto e sem perguntar a sua origem, colocou os braços do rapaz em seu pescoço, ergueu-o colocou-o sobre o cavalo e foram em direção a casa de Luis. 
O espírito de Josué estava preocupado, a casa era longe do castelo, ele precisava agilizar o atendimento  ao rapaz. A prece ao alto, aos amigos espirituais foi feita com amor fraterno. A resposta não tardou a chegar na figura de um senhor que vinha na charrete. Ele vendia utensílios de cozinha que ele mesmo fabricava e trocava por mantimentos nos castelos. 

                                                     Capítulo  XXXVI  

Ele viu o moço ali em cima do cavalo sangrando, não o conhecia mas vendo que precisava de ajuda colocou-o na carroça. Luis subiu por sua vez no seu cavalo e assim os dois juntos trataram de andar depressa, a fim de encontrar alguém que cuidasse do ferido. 
Assim é que, na disparada na estrada, já bastante longe do castelo, Luis contou-lhe  que o encontrara  naquele estado mas que em sua casa tinha muitas ervas e tentaria ajuda-lo. Assim o carroceiro  levou-o até a casa de Lúcia e ali os deixou seguindo a sua direção. 
Novamente Lúcia viu chegar outro visitante e com seu bom coração acolheu-o como a um irmão. Deitou-o na cama de palha, limpou-lhe o sangue e foi aferventar  água  e preparar ervas que ajudariam  na cicatrização. 

A bala não sabia tirar, mas Luis examinando superficialmente achou que poderia ficar ali mesmo. Não havia médico por ali e tudo se resumia a chás e ervas que eram esmagadas em um pilão de madeira e colocadas como ungüento nas partes machucadas ou feridas.
Lucas suava muito a noite toda, o corpo febril fazia com que balbuciasse o nome da esposa  sem parar. O velho Luis ali junto começou a olhar para as roupas  daquele jovem. E não tardou a entender que havia alguma ligação com o drama que ele havia  tido conhecimento há um ano. Qual seria dos dois irmãos? Lucas ou Licurgo?
O velho meditava. Ali perto no mesmo quarto dormia o pequeno Antônio já com um ano de idade. Garoto robusto, feliz, que era a alegria de todos junto com a filha de Lúcia. 

                                                             Capítulo  XXXVII 

O espírito Josué continuava junto de Lucas, precisava ajudar a curá-lo. Novamente levou suas preces ao alto e uma falange de médicos ali se fez presente. Foi aplicado em Lucas um passe espiritual  e este adormeceu  profundamente como se tivessem aplicado um sonífero.
Nesse momento um espírito aparentando idade, com barbas longas e brancas, começou cuidando dele aplicando emplastos de ervas ainda quentes enquanto o grupo que tinha vindo com ele fazia preces.Todos de mãos dadas com o pensamento voltado a Deus pedindo a cura daquele irmão. 

O espírito Josué chorava de emoção pela caridade que estava sendo prestada  a Lucas. Depois de algum tempo, sentindo que o necessário já havia sido feito, retiraram-se do quarto e chamaram Josué  para seguir com eles, afirmavam que não se preocupasse que ele ficaria bom. "Não se preocupe", falava o senhor idoso, que era médico, "a cura já foi realizada pela vontade do Pai".Josué os seguiu com lágrimas nos olhos, sabendo que Lucas ali estaria sendo bem, cuidado. 

No dia seguinte Lucas acordou com uma criança lhe olhando admirada e passando sua mãozinha  em seu rosto. Ele sentiu aquele toque e vibraram seus sentimentos  mais íntimos de carinho  por aquela criança. Achou-a linda, era como se já a conhecesse há muito tempo e beijou suas mãozinhas com carinho  o que a fez sorrir para ele. 

Deixemos Lucas, Antonio, Luis e todos  os personagens  dessa história seguindo o roteiro de suas vidas, e vamos ver o que se passa no castelo nesse mesmo instante.
Licurgo que saíra em disparada  para buscar  socorro no castelo, procurou demorar bastante. Ao retornar ao lugar que tinha deixado o irmão, e não o encontrando, fingiu-se desesperado. Não podia imaginar o que tinha acontecido. 

Lucas tinha se ferido gravemente durante a caçada dizia ele, e agora desaparecia, não podia entender o que se passava. Assim, depois de terem vasculhado  tudo ali  por perto,  resolveram voltar pois estava ficando escuro e deixariam para recomeçar  as buscas no dia seguinte. 
De volta ao castelo o barão foi notificado do que acontecera com o filho e nesse momento de profundo desgosto e desespero, ele leva a mão na altura  do coração e sente que não consegue respirar, é como se algo o sufocasse e não suportando mais cai morto de um ataque fulminante. 

                                                        Capítulo  XXXVIII

Em pouco tempo meus leitores, quanta coisa havia se modificado naquele castelo. A alegria abandonava todos, não se via mais um sorriso. O  Barão Macário, aquele homem tão bom, de coração aberto a ajudar a todos os necessitados tinha acabado de falecer aos 43 anos. 
Licurgo sentiu a morte do pai e chorou durante dias a sua ausência. No castelo e nos seus habitantes sentia-se a tristeza que o falecimento  do barão  causara. Elysa não suportava mais tantos desgostos. Primeiro o desaparecimento do filho, logo a seguir  o do marido e agora acontecer o ataque ao  Barão Macário que ela considerava como a um pai. Era demais para ela, tão jovem e sofrer tanto assim. 

Licurgo com o passar dos dias assumiu a direção dos trabalhos já que Lucas como filho mais velho por direito seria o herdeiro do feudo. Com o desaparecimento dele, Licurgo assumiu  a direção de tudo e no seu desvario de poder, achava que todos teriam que trabalhar bastante para compensar  a moradia  e alimentação que lhes eram fornecidas. 
Assim os dias, meses, foram transcorridos e a alegria que reinava antes naquele feudo, era somente uma lembrança  nas mentes daquelas pessoas sofridas e tristes.  
        
Licurgo naquela manhã de sol brilhante, olhava para Elysa com paixão. Amava-a cada vez mais e o desejo de tê-la  como sua mulher era tão forte que sentia o coração  apertado de dor. Não sabia mais o que fazer para despertar a atenção  dela pois ela o via apenas como um irmão. Quantas e quantas vezes Licurgo  a surpreendera  pelos cantos  do castelo a chorar com saudade  de Lucas e do filho perdido. 
Licurgo pensava: Tenho que fazê-la compreender que poderemos refazer as nossas vidas, que poderemos ter uma família, filhos, e que eu a amarei como ninguém nunca a amou. Assim resolveu aquela tarde, dirigir-se  até seu quarto e pediu-lhe  permissão para lhe falar. 

                                                            Capítulo  XXXIX

Expôs seu amor oculto por ela, que a amava por demais e que não tinha nunca  revelado  esse amor  por respeito  ao irmão. Mas agora  com ele desaparecido, por que não começar  vida nova? 
"Somos jovens", dizia ele, "temos um futuro a nossa frente e procurarei  te fazer feliz".
Elysa olhava espantada para Licurgo. Jamais passara por sua mente que o rapaz lhe tinha tanta paixão e isso a  assustava. Até a maneira como ele a olhava, com um olhar carregado de desejo e de paixão, a atemorizava. 

Por isso resolveu de imediato quebrar  todas as esperanças do moço lhe falando  que jamais casaria  novamente, e que pretendia voltar a morar no castelo de seu pai. Não desejava continuar ali  onde conhecera a felicidade e depois as tragédias que tinham acontecido lhe tinham marcado muito. 
Licurgo com a resposta dada por Elysa tomou-se de fúria e desespero e a proibiu daquele momento em diante, de colocar  os pés fora do castelo. Não permitiria que ela voltasse para junto do pai, nem tão pouco que saísse de dentro do castelo. Ficaria como sua prisioneira, já que recusava seu amor, ela não teria mais nenhuma liberdade de cavalgar como antes, ficaria sempre dentro daquelas muralhas de pedra. Seria um castigo por não aceita-lo. 

À noite Licurgo não conseguia dormir. Sua mente febril trabalhava imaginando  fantasias, obsidiando Elysa através do pensamento  constante. A mulher emagrecia e ficava cada vez mais triste e assim transcorreram mais uns meses. 
 
Voltemos a casa de Lúcia , onde sua filhinha  brincava  com Antônio agora com mais de dois anos, entre risos  e gracinhas. O velho Luis sentado no banco, tendo junto a si Lucas ouvia atentamente  o que o rapaz lhe falava. Demorara a se recompor  do que sofrera, física e espiritualmente, pois jamais julgara  partir do irmão um ataque  a sua pessoa. Mas agora entendia  alguma coisa, embora outros atos  de Licurgo  lhe pareciam  sem explicações. 

                                                                Capítulo  XL 

Nessa tarde o velho Luis, achou por bem revelar  a Lucas  o que vinha escondendo de todos. Aquele rapaz tinha o direito  de saber  que Antonio, ele , o menino lindo e feliz  era seu filho e teriam que voltar para junto da família. 
Por isso, Luis pediu a Lucas que prestasse atenção  e passou a lhe contar  tudo que o Josué fizera  por ele, Antônio e Elysa. Lucas estava estupefato com tudo aquilo. Como pudera seu irmão, a pessoa que ele adorava tanto, que  era  tão amigo, agir daquela maneira? 

Mas não havia dúvidas sobre o que Luis contava pois os fatos se encaixavam. Olhou para o Antônio e sorriu. Seu filho, Antônio era seu filho! Bem que ele sentia algo diferente quando o abraçava e o beijava. 
Agradecia ao espírito Josué pelo salvamento de seu filho e de agora em diante  procuraria retomar  o castelo e a família sabendo que ainda tinham direito a serem felizes. Como Elysa deveria  estar sofrendo  com tudo que passou  e seus olhos  enchiam-se  de lágrimas em pensar  na esposa amada. 

Conversou com Luis, como deviam fazer  e no dia seguinte na charrete do amigo  foi com Antônio de volta ao Castelo. Apresentou-se  e logo os guardas vendo-o  retornar  abaixaram a ponte. Servos, pastores e lavradores, reconhecendo-o  e vendo que ele estava com uma criança  nos braços, ouviram-no: 

- Esse é meu filho e de Elysa, chama-se Antônio e será meu herdeiro quando eu me for. Deus seja Louvado. 
As exclamações de alegria foram muitas e Lucas determinou  que houvesse festa, não precisariam trabalhar  naquele dia, e entrou  apressado em busca da mulher  amada chamando: - Elysa, Elysa venha  ver nosso filho. 
A mulher ouviu aquela voz  e pareceu-lhe  um sonho. Ao ver Lucas  com aquela criança, atirou-se  aos seus braços chorando de alegria  e de  felicidade. Licurgo tinha saído com alguns servos e ao retornar encontrou aquela alegria e comentários de todos, e subiu rápido para presenciar o que acontecia. 

                                                           Capítulo  XLI

Lucas do alto da escadaria contou para todos a traição do irmão, o que ele fizera para desaparecerem com seu filho, o que fizera com ele, e a conseqüência  do que tinha acontecido com o pai, que não tinha suportado tantos desgostos. 
 
Todos ficaram revoltados com Licurgo e este foi expulso do feudo, ele não poderia nunca mais retornar àquela família. Era a ordem de Lucas, e assim ele foi encilhar um cavalo e dali partiu. 
Sua mente confusa e atordoada, ouvia vozes, às vezes gargalhava sozinho, conversava com figuras  que ele imaginava e assim por onde passava  era chamado “O cavalheiro louco”. E assim os anos foram transcorrendo, até que um dia descendo uma encosta, o cavalo disparou  e ele caiu e bateu com a cabeça  numa pedra, falecendo logo em seguida. 

Ali perto os espíritos menos esclarecidos estavam esperando por ele, mas sentiram a presença de uma luz muito intensa  e correram a se esconder. Aquela luz  que se aproximava era o espírito Josué que vinha socorrer  aquele jovem. Ele compreendia que Licurgo não era mal. Que tinha cometido muitos erros quando encarnado, mas agora ele ajudaria  aquele espírito  a seguir o caminho do bem.
Levaria-o primeiro para o hospital na espiritualidade e depois o faria freqüentar  uma escola de preparação para entender  sua vida  espiritual e futuramente  se preparar para nova encarnação. 

Assim, aplicou-lhe um passe e adormecido, pegou suas mãos  e volitou  junto com outro companheiro da espiritualidade carregando aquele irmão sofredor  que necessitava tanto dele. Licurgo estava sendo ajudado pelos mensageiros da luz. 
Voltemos ao castelo e vemos  finalmente a felicidade  voltar  a todos naquela família. Lucas junto a Elysa  e o filho Antônio, resolveram chamar Lúcia, o esposo, a filhinha  e o velho Luis para morarem todos juntos no castelo. Eles fariam parte da família  daquela data em diante e todos  foram muito felizes. 
Na espiritualidade o bondoso Barão Macário saudava a todos com alegria: "Deus seja Louvado". 
FIM

Esse conto faz parte do livro Mensageiros do Bem (1998)

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