Vidas cruzadas
Saíra do gabinete do Dr.Romeu aturdido com o plano audacioso que o fazendeiro tinha planejado. Passara para ele a fim de que fosse o executor das suas idéias maléficas. João, enquanto caminhava, ia pensando:
- Que canalha esse Dr Romeu de Assumpção. Tem posição, tem dinheiro até demais, tem aparência de homem fino e bom, e não vale nada. Como a aparência engana. Minha santa mãe sempre dizia: “Quem vê cara não vê coração.” Como é que teve coragem de me oferecer dinheiro para que eu cometa um assassinato ? E ainda pretende criar provas para que o seu desafeto seja indiciado como culpado!
- E minha vida e minha consciência como ficariam? Não teria mais condição de viver em paz. Me conheço bem, pensava João, enquanto o ônibus rodava em direção à fazenda onde trabalhava.
- Tenho de pensar no que fazer. Se nego atendê-lo, estou sem emprego e se cometo esse assassinato, eu não serei mais João.
Dr. Romeu lhe dera um prazo de três dias para pensar. Não deveria falar com ninguém, e caso ele comentasse sofreria as conseqüências.
Durante esses três dias Dr. Romeu falou que ele não necessitava trabalhar. Seria dito no canavial que ele estava doente, e por isso tinha se afastado do trabalho por uns dias.
A noite chegou e João, pensando no que fazer. Desejava uma solução que não precisasse matar e ao mesmo tempo que o doutor ficasse satisfeito com ele. Virava e revirava na cama e o sono não vinha, mas de repente teve um vislumbre de como deveria agir.
O primeiro passo seria conhecer a vitima. Bem cedinho levantou, e tendo o endereço foi a sua procura. De longe ficou observando Paulo sair de casa. Era um rapaz de mais ou menos quarenta e poucos anos, boa estatura, cabelos pretos e lisos e uma aparência tranqüila.
Durante todo o dia o acompanhou de longe, vendo todos os seus movimentos. Não viu nada de anormal no seu dia. Retornou para seu quarto refletindo... Paulo de Assumpção parecia ser um homem de bem, foi o que constatou rapidamente.
No dia seguinte os jornais estampavam a foto de um homem com a seguinte notícia: “O gerente comercial Paulo de Assumpção, pessoa benquista por todos na cidade foi encontrado morto em sua casa com um tiro desferido em seu peito. A polícia está investigando, mas até o momento não encontrou pistas, pois a vítima não tinha inimigos”
O detetive X., recomendado pelo delegado, começou uma investigação para conhecer melhor a vida pessoal da vitima, pois ali poderia encontrar o motivo do crime.
Vasculhou papéis, livros, gavetas, os quartos e por acaso encontrou um bilhete com letra de mulher, onde com palavras carinhosas marcava um encontro para aquela noite às 18h20min.
Olhou suas anotações e o horário em que se dera a morte era exatamente às 18h10m, assim tinha confirmado o legista. O bilhete estava assinado apenas Marlene. Quem seria Marlene?
Procurou falar com os vizinhos e pediu informação sobre os parentes da vítima. perguntou se alguém conhecia a vítima e foi informado que ele tinha dois irmãos. Um deles estava distante, no exterior. O outro era fazendeiro e seu nome, Dr. Romeu de Assumpção, era muito conhecido na sociedade. Ele pertencia a uma classe social bem diferente do seu falecido irmão.
Assim, já com o endereço na mão dado por vizinhos, dirigiu-se à mansão do Dr. Romeu. Foi atendido pelo criado que o acompanhou até seu gabinete e pediu que aguardasse, pois iria chamá-lo.
Enquanto aguardava, o detetive X. procurava memorizar tudo ao seu redor. Já fazia parte do seu trabalho procurar pistas e analisar pessoas. Logo a primeira vista, ao ser apresentado, já conseguia captar a maneira de ser da pessoa, fosse homem ou mulher, velho ou moço. A experiência tinha lhe ensinado muito, essa era a verdade.
Após mais ou menos 15 minutos de espera adentrou no gabinete, em passos largos, Dr. Romeu com um largo sorriso nos lábios. Estendendo-lhe a mão, fez um gesto para que ele sentasse na poltrona a sua frente.
- A que devo sua visita senhor ...
- Detetive X, um seu criado, respondeu.
- A minha presença em sua casa se deve aos fatos acontecidos conforme o senhor já deve estar sabendo. A notícia saiu nos jornais hoje em letras garrafais.
- Não li o jornal hoje, estive ocupado despachando uns papéis e ainda não tive o prazer da leitura dos jornais, que não dispenso diariamente.
O detetive X, olhou bem nos seus olhos e falou:
- Dr. Romeu, infelizmente venho lhe dar uma notícia em primeira mão, notícia essa que não gostaria de lhe comunicar, mas a minha profissão exige. Seu irmão Paulo foi assassinado ontem à noite às 18h10min.
Por um instante sentiu que ele reagiu como se já soubesse, mas seria impossível pensou, já que ele não tinha lido os jornais da manhã.
- Meus sentimentos senhor. E estendeu a mão.
- Obrigado, mas quem foi que fez isso, há alguma pista de quem foi?
- Não senhor, no momento não, mas iremos investigar e logo que saibamos de alguma coisa, lhe faremos ciente dos fatos.
O detetive achou que o momento era muito delicado, e devia logo se retirar e deixar as perguntas para outro dia . Despediu-se e foi saindo. Ao cruzar o portão de entrada vinha chegando uma linda mulher, vestida de vermelho, cabelos pretos, olhos grandes e expressivos e que lhe chamou atenção pelo seu porte. Cumprimentou-a e caminhou até seu carro.
Involuntariamente olhou para trás, e notou que a mulher estava parada olhando para ele, vendo-o entrar no carro e ir embora. Quem seria ela?. Mais tarde procuraria saber entre os criados quem era essa mulher e suas amizades.
Naquele mesmo dia já obteve o que queria. A secretaria do Dr. Romeu, Elza, foi à papelaria e lá comentou sobre o crime que tinha acontecido. Agora a notícia já fazia parte do falatório da cidade, cada um querendo descobrir quem era o assassino.
Elza comentou com outras pessoas que a senhora Marlene estava muito nervosa com o acontecido, pois apreciava muito o cunhado, embora os dois irmãos não se falassem muito nem se visitassem.
Eram pessoas completamente diferentes. Dr. Romeu prepotente no seu poderio financeiro, achando que podia comprar tudo com seu dinheiro e sem dar a menor atenção a sua família. Seu irmão Paulo, assim falava a Elza, era o oposto. Pessoa simples, amante do belo, da natureza, do mar e das flores e que vivia feliz na sua humildade.
Dessa maneira já se comprovava que os dois não poderiam se dar bem, pois não havia afinidades entre eles.
Tomando conhecimento que o nome da esposa de Dr.Romeu era Marlene, o detetive X sentiu que uma luz no caso estava surgindo. Se ela e o cunhado eram amigos, Marlene poderia falar alguma coisa sobre ele. Mas como falar com ela em particular sem a presença do marido?
Telefonou para a secretária Elza e pediu discrição no pedido que iria fazer. Necessitava falar com a senhora Marlene às 14h daquele mesmo dia, se possível. Pediu que passasse o recado e aguardou.
Exatamente à hora combinada ela apareceu, e com um sorriso encantador que ressaltava sua beleza passou a narrar alguma coisa sobre a vítima.
Disse que conheceu os irmãos numa festa. Apaixonou-se por Paulo, mas Dr. Romeu tanto fez que com seus passeios, presentes caros e demonstrando um amor muito grande conseguiu fazer que ela casasse com ele.
Porém, logo depois do casamento compreendeu o verdadeiro caráter do marido. Gostava de exibir a mulher com vestidos caríssimos e jóias de alto valor nas festas e banquetes que compareciam. Tudo para comprovar seu poderio, sua riqueza.
Quando estavam a sós ele a tratava com frieza, como um objeto que ele não dava o menor valor.
Triste mulher, pensava o detetive ao ouvi-la falar daquela maneira do marido.
Marlene também lhe falou que o seu marido tinha uma amante, mas ignorava quem fosse, embora desconfiasse de uma pessoa.
- Bem isso não vem ao caso, e estou já desabafando com o senhor, me desculpe.
Perguntou o detetive X sobre o seu relacionamento com Paulo, e ela falou que continuavam a se encontrar às escondidas sem o conhecimento do marido. Não poderia ficar sem aqueles momentos tão felizes dos encontros a dois.
O detetive perguntou se o marido nunca havia desconfiado desses encontros e ela negou. Sempre tomavam muito cuidado e eram discretos. Então, o detetive X mostrou a ela um pedaço de papel que tinha em mãos.
- Essa letra é sua?
Marlene ficou surpresa ao ver o bilhete e perguntou:
- Como o encontrou?
- Estava entre os papéis no quarto da vitima. E como estava assinado Marlene era óbvio que devia ter sido a senhora quem escreveu.
Ela confirmou. Apenas não entendeu como o detetive o encontrou no quarto de Paulo de Assumpção. Ela havia o escrito mas não o tinha enviado, pois naquela tarde o marido tinha inesperadamente marcado uma visita e ela precisou acompanhá-lo. Justamente por isso não enviou o bilhete.
- Curioso, falou o detetive X, como foi parar esse bilhete na casa da vítima então?
Marlene não soube explicar, mas lembrou que no dia anterior Dr. Romeu recebeu uma visita estranha na sua mansão. Ela tinha visto a pessoa entrar acompanhada do serviçal, pois estava na piscina. De longe viu tratar-se de um homem vestido como camponês e denotava ser pessoa bem simples. Marlene falou para o detetive que talvez Elza, que era a secretária pudesse lhe dar mais informações.
O detetive X agradeceu e a liberou, prometendo que quando conseguisse mais dados sobre o assassinato, passaria para ela. Decidiu então telefonar e entrar em contato com Elza, e rapidamente solicitou seu comparecimento ao escritório para alguns esclarecimentos. No dia seguinte pela manhã ela estaria presente.
Enquanto isso, o detetive X rumou para sua casa e calmamente pôs-se a refletir sobre todo o acontecido e os personagens envolvidos. Todos tinham um álibi, Dr. Romeu e Marlene estavam fazendo uma visita a amigos, era preciso checar, mas já eliminava esses. Não poderiam ser eles os culpados. Pensou bastante e adormeceu depois de tomar um copo de vinho Chateau Duvalier, seu preferido.
O dia amanheceu claro, o sol em todo seu esplendor com seus raios quentes, despertou o detetive com mais ânimo para desvendar aquele caso. Pontualmente na hora combinada Elza chegou ao escritório, mas estava um pouco nervosa. Ele notou suas mãos trêmulas, um sinal de nervoso contido. Então olhando-a bem dentro dos seus olhos falou:
- Elza gostaria de lhe fazer algumas perguntas e que fosse o mais clara possível, certo?
- Pois não detetive, estou a sua disposição para responder o que for perguntado.
- Desde quando trabalha para o Dr Romeu?
- Precisamente há 4 anos e três meses.
- Está satisfeita com o trabalho?
Elza demorou a responder, mas afirmou:
- Sim.
- A senhora ou senhorita conhecia o falecido?
- Sim, era uma boa pessoa e fiquei muito triste em vê-lo numa morte tão trágica.
“Vê-lo?”..., pensou o detetive.
- Tomou conhecimento da morte dele por quem?
Elza baixou a cabeça pensativa e falou:
- Li nos jornais , saiu em todos os jornais.
- Sei... Qual foi a ultima vez que você viu o Sr. Paulo?
- Não lembro bem, creio que há alguns dias, passando pela rua.
- Soube que há poucos dias esteve na mansão uma pessoa de hábitos simples que não costuma freqüentar o local. Um homem, que veio a procura do Dr. Romeu. Poderia me identificar essa pessoa?
- Dr. Romeu recebe muita gente, não saberia lhe dizer se não me der o nome.
- Pense bem Elza, deve ser alguém diferente no aspecto. Gente humilde, que não costuma aparecer na mansão. Então, como é? Você marca as reuniões do doutor e tem acesso a seus horários. Como secretaria deve saber alguma coisa.
Elza baixou a cabeça, pensou e depois falou:
- Ah talvez seja o rapaz da fazenda que esteve lá na mansão para falar com o Dr Romeu. Mas não deve ser nada demais algo relacionado com o trabalho dele. Na realidade não sei o assunto que falaram.
- E você com certeza tem o nome desse homem na sua agenda. Por certo, poderia me passar por favor...
- Pois não, estou com minha agenda na bolsa e lhe darei agora mesmo.
Abriu a bolsa, pegou a agenda de capa preta e depois de folhear várias páginas, ainda hesitante, falou o nome do camponês João da Silva.
O detetive sentia que ela estava muito nervosa, como se tivesse algo a esconder, mas não queria assustá-la e declarou:
- Obrigada, a senhora foi muito atenciosa respondendo a todas as perguntas com tanta clareza.
- Se necessitar de mais alguma coisa voltarei a procurá-la, certo?
- Sem duvida, detetive, e um bom dia para o senhor.
E saiu pela porta da frente com um andar seguro. O detetive ficou olhando a sua figura e pensou: “uma bela mulher...”
Resolveu naquele mesmo dia pedir a João da Silva, trabalhador da fazenda Coqueiros, para se apresentar em seu gabinete. Chamou seu auxiliar, Kaká, para enviar o convite.
João estava na fazenda, quando recebeu a visita de Kaká. Pedindo que fosse falar com o detetive X, se possível naquele instante. O trabalhador nem tinha lido os jornais, portanto não sabia ainda o que era notícia naquele dia.
Foram juntos até o gabinete e não tocaram no assunto a ser falado. Conversaram amenidades e Kaká apenas lhe declarou que o detetive gostaria de lhe falar.
Ao chegar ao gabinete João da Silva se perguntava o que queriam com ele. Esses últimos dias da sua vida andavam meio tumultuados, nem dormir direito ele conseguia. As coisas estavam acontecendo em sua vida de maneira vertiginosa e sem nem mesmo ele saber o porquê daquilo tudo.
- Bom dia senhor, falou tirando o chapéu da cabeça.
- Bom dia Sr. João. Kaká por favor deixe-nos a sós, se precisar lhe chamo, certo ?
Ofereceu uma cadeira para o visitante sentar, e mostrando-se cordial falou:
- O senhor deve estar curioso pelo motivo de tê-lo mandado chamar não é Sr. João?
- Sim senhor.
- Gostaria de lhe fazer algumas perguntas e peço-lhe que responda de maneira direta e verdadeira, certo?
- Sim Senhor.
- Você foi à casa do Sr. Romão conversar com ele essa semana. Costuma ir sempre lá?
- Não senhor .
- E posso saber o porquê da sua ida e o que foi falado nesse dia?
- O Dr. queria falar comigo.
- Posso saber sobre o quê?
O detetive notou o medo nos olhos daquele homem, por mais que ele procurasse esconder. Então João respondeu titubiante:
- Coisas do trabalho mesmo detetive...
- Essa não é a resposta que eu esperava. Gostaria que o senhor fosse mais claro.
- É coisa mesmo lá da fazenda...
- O senhor conhecia o Sr Paulo de Assumpção, irmão do Dr Romeu?
Os olhos de João da Silva se arregalaram, mas apenas falou:
- Não senhor.
- O engraçado, falou o detetive, é que um homem foi visto no dia anterior rondando a casa do Sr. Paulo. No dia seguinte ele apareceu morto com um tiro. Não é estranho?
- Não sei.
João começou a suar frio, o homem estava morto mas não tinha sido ele quem o matou e o pior, não podia acusar o mandante, Dr Romeu. “Ele é poderoso e vou me meter numa fria. É melhor dizer que não sei de nada”, pensou ele.
O detetive esperava que João falasse mais alguma coisa e ele nada acrescentava a seu favor.
- Se o senhor não quiser explicar direitinho, vou ter que chamar a vizinha que viu o homem e procurar fazer um reconhecimento com o senhor, certo?
João ficou calado, não ia falar mais nada. Tinha medo de se complicar cada vez mais. Ele estava inocente, não tinha feito nada com ninguém, isso depois tinha que ser esclarecido.
O detetive chamou Kaká e pediu para que fosse até a casa da vizinha, pedindo para ela auxiliar no reconhecimento. Não precisaria ficar na frente do suspeito. Atrás de uma cortina ela ficaria escondida e veria se aquele homem era o mesmo que vira rodando a casa da vítima.
Assim fez Kaká e saiu célere em busca de Dona Ermengarda, senhora boa gente mas um pouco bisbilhoteira e que gostava de ficar observando os acontecimentos nas casas vizinhas.
Ao chegar Dona Ermengarda olhou para João e falou:
- Com certeza detetive, foi esse homem sim que vi. Estava até com essa mesma roupa e esse chapéu. Não tenho dúvida.
O detetive nesse momento chamou o delegado e disse:
- Prenda esse homem por 24 horas, pois tudo indica que é ele o criminoso.
João não acreditava no que estava acontecendo. Era inocente e todos pensavam que ele tinha matado Paulo. O que devia fazer? Não conhecia ninguém, nenhum advogado. Resolveu falar para o detetive:
- Eu sou inocente, não matei ninguém, por favor acredite em mim...
Mas, não lhe deram ouvidos e o guarda levou-o para a prisão.
Dona Ermengarda agradeceu ao detetive por ter, de uma maneira rápida, encontrado o assassino de Paulo e quando ia saindo falou:
- Conheço todas as pessoas que transitam pela minha rua detetive X, até os horários que entram e saem eu sei. É a minha distração, não tenho muito o que fazer, pois vivo sozinha.
O correu ao detetive lhe perguntar:
- A senhora não viu ninguém entrando na casa entre 18h e 18h30min?
Ela respondeu:
- Somente a Elza, mas ela entrou e saiu rapidinho. Não demorou nada e saiu muito apressada. Passava das 18h um pouquinho. Eu sei bem porque o sino da Igreja Matriz tocou seis badaladas e eu fui para janela. O olhando para o céu rezei uma ave-maria e foi aí que a vi sair.
O detetive agradeceu e ela foi embora. Então Elza mentiu. Falou que tinha visto há dias Paulo na rua, mas esteve na casa dele no horário do crime. Por que mentira? Precisava imediatamente falar com ela, e lá mesmo na mansão. Ou melhor, seria encontrá-la fora de lá para poderem conversar à vontade.
Telefonou para Elza e pediu um encontro para a tarde às 14h num barzinho sossegado que ele conhecia e onde podiam conversar tranqüilos. Ela falou que não poderia demorar por causa do trabalho, mas faria o possível para comparecer.
Nesse ínterim, o detetive X resolveu checar se Marlene e Dr. Romeu estiveram o tempo todo na casa dos amigos que ela tinha falado. Foi até a casa deles e os mesmos confirmaram. Após o lanche as mulheres foram conversar no jardim e os homens ficaram na sala fumando seus cigarros e jogando conversa fora. Somente saíram de lá quando o relógio tinha batido 19h. Visto isso o detetive descartou mais uma vez Dr. Romeu e Marlene.
Ele pensava nos nomes de todos os envolvidos. Quem poderia ter motivos de assassinar um homem de bem? Dr. Romeu teria motivos por saber que a mulher era amante do irmão. O trabalhador da fazenda talvez por algum motivo ligado ao trabalho, alguma desavença, isso ele precisava descobrir. Marlene não teria, pois amava aquele homem que lhe dava atenção e carinho.
Elza, essa não. Era apenas uma secretária do Dr. Romeu. Uma pessoa infeliz, insatisfeita. Dava para perceber claramente que ela ocultava algo. Mas por que mentira e não lhe falara a verdade? Ela estava escondendo alguma coisa e precisava esclarecer. Isso faria na parte da tarde.
Saiu para almoçar um bom peixe grelhado com batatas sautées - seu prato preferido - e um cálice do Chateau Duvalier. Enquanto almoçava saboreando o delicioso vinho, sua mente não parava, avaliando cada personagem e a capacidade de todos, de aparentar o que não sentiam, do medo que muitas vezes observou nos olhares, e no nervosismo sinal de quem tem o que esconder.
Olhou o relógio e viu que faltavam 10 minutos para completar 14h e precisava ir ao barzinho esperar por Elza. Rapidamente satisfeito pagou a conta, deu uma generosa gorjeta ao garçom, e levantando-se falou:
- Até mais ver.
Estava chegando ao barzinho, lugar tranqüilo no meio de um grande parque. Ouvia os passarinhos. Sempre escolhia esse lugar quando sentia que ia receber confidências, pois o ambiente era receptivo a isso.
Rita acabava de descer do táxi quando ele foi recebê-la e com gentileza convidou-a a sentar. Perguntou-lhe se já tinha almoçado, caso contrário mandaria preparar o que preferisse. Ela agradeceu, explicando que não poderia demorar muito, por isso pedia para ele ser breve.
E ele foi direto ao assunto:
- Elza, por que mentiu dizendo que só tinha visto Paulo por esses dias de passagem na cidade? Na verdade você foi a casa dele entrou lá e justamente no horário em que ele foi morto.
Elza ficou chocada. Tinha olhado na hora da saída e não havia visto ninguém na rua. Como poderiam saber que estivera ali? Compreendeu que não podia mentir ao detetive, seria inútil e resolveu falar a verdade.
- Detetive X eu fiquei com medo de dizer a verdade. Estive sim na casa do Paulo mas já o encontrei caído no chão, morto. Percebi logo, fiquei apavorada e saí correndo do lugar. Poderiam pensar que tinha sido eu a assassina.
- E qual a razão de você ter ido lá? perguntou o detetive
- Gostaria de não falar sobre isso.
- É necessário Elza, caso contrário você será envolvida. Já temos uma pessoa presa, queremos esclarecer tudo o mais rápido possível.
- Está bem, fui até a casa de Paulo para levar um bilhete que entreguei a ele, mas não li,estava dentro de um envelope. Apenas daria o recado a ele dizendo que o autor do bilhete não poderia mais comparecer naquela noite e que aguardasse notícias.
- Quem lhe entregou esse bilhete para você levar?
- Foi o Dr. Romeu, mas falou que guardasse segredo. Se perguntassem deveria falar que tinha sido D. Marlene. Procurei não fazer perguntas, pois ele é muito autoritário e não gosta de ser contrariado. Somente isso. Não matei ninguém, seu detetive, pode ter certeza disso, eu não mataria nem uma mosca.
O detetive pela sua larga experiência, olhando-a nos olhos da moça achou que ela dizia a verdade. Mas quem teria sido o assassino?
Aproveitou a oportunidade e chamou o garçom e pediu um Crepe Suzete para a senhorita e disse:
- Elza sinto que você tem algo a me falar, considere-me um amigo. Não quer desabafar? Vejo que você está angustiada com tudo isso.
Ela então fez uma pausa e naquele momento o garçom trouxe o pedido. Saboreando o crepe e tomando um delicioso licor de jenipapo, foi relaxando e começou a lhe fazer confidencias.
- Detetive X estou com medo que D.Marlene descubra tudo que acontece comigo e Dr. Romeu. Cheguei naquela casa com a finalidade de trabalhar, ser uma boa secretária e progredir na carreira. Mas Dr. Romeu é muito sedutor, envolvente, não sabe receber um não, e pouco a pouco me vi envolvida. Já conversamos muito sobre isso, pois não quero continuar como amante. Gosto dele assim mesmo com todos os defeitos, mas ele em momento nenhum fala em se separar da mulher. A sociedade em que vive o julgaria muito mal. Então ele tenta esconder nosso amor e quando sai para as visitas, os bailes e em todas as cerimônias ostenta a mulher belíssima. D. Marlene realmente é uma bela mulher, com vestidos caros e jóias toda a sociedade a inveja. Mas sei que ele não a ama, somente a mim.
E assim ela me descreveu a sua difícil vida de amar escondido a um homem casado, residindo na mesma casa com o amante e esposa. Vejam só o que é a vida...
Às 16h mais ou menos ela se despediu. Pediu que guardasse segredo do que me contara, e lhe falei que seria um túmulo. Tinha que refletir em tudo, como falava o grande filosofo Sócrates “A vida sem reflexão não merece ser vivida”. Portanto, a reflexão conduz ao equilíbrio do ser e o que ele mais precisava era disso depois de ouvir tantas confidencias inesperadas.
Estava uma tarde agradável e resolveu ficar ali sentado, sozinho, com o vento a soprar, ouvindo o gorjear dos passarinhos que formavam uma doce melodia. Necessitava falar novamente com D.Marlene. Ela poderia ter conhecimento de quem era a amante do marido, mas ter dito o contrário. Precisava extrair mais alguma coisa dessa mulher, pois talvez ela não fosse o que aparentava. E não gostaria de cometer um erro.
Saindo dali foi até a mansão e pediu para falar com a D.Marlene. Era extremamente urgente o assunto e o serviçal pediu para que esperasse na ante sala. Passados vinte minutos, ela apareceu muito calma. Ele notou que ela tinha ido se cuidar, pois a pele estava fresca. Os cabelos estavam bem penteados presos no alto da cabeça num coque. Assim estava muito elegante e com um lindo porte.
O detetive X agradeceu por tê-lo recebido com presteza e pediu para ter uma conversa muita seria. Perguntou a ela se realmente não sabia quem era a amante de seu marido.
Olhando-o nos olhos com firmeza, ela disse que não queria falar sobre isso, mas já tinha descoberto a identidade da amante.
- Era só o que precisava ouvir, falou o detetive. Ter a certeza de que a senhora já sabe quem é a amante do seu marido. Por acaso a senhora tem mais alguma declaração a me fazer? Pense porque às vezes uma pequena frase que ouviu, ou algo que viu pode lançar uma luz nesse caso e fazer justiça.
Ela pensou um pouco e falou:
- Detetive, confio muito no senhor por isso vou lhe ser sincera. No dia em que o homem da fazenda esteve aqui para falar com Romeu, eles foram para o gabinete. Quando eu ia subindo as escadas não deixei de ouvir o nome de Paulo, Romeu forneceu o endereço dele falou para o homem fazer o serviço limpo. Na hora não pensei em nada de mal, era seu irmão, não julgava que ele por qualquer motivo quisesse sua morte. Depois do acontecido estou em duvidas, não tenho mais certeza de nada.
O detetive X. olhou-a com surpresa.
- Somente agora a senhora está me contando isso. Necessito falar com urgência com seu marido. Ele está?
- Sim, mas por favor não fale nada do que lhe contei. Vai me trazer problemas. O senhor não o conhece bem como eu.
E imediatamente se dirigiu à criada, pedindo que acompanhasse o detetive até Dr. Romeu. Assim foi feito e logo depois adentrava à sala o detetive, estendendo a mão para Dr. Romeu e lhe pedindo:
- Desculpe a visita inesperada, mas na minha profissão às vezes é necessário transgredir as normas da boa educação.
- Não é preciso se desculpar detetive. Estou às ordens para ajudá-lo no que for necessário para elucidar este crime. A morte do meu irmão não ficará impune. Eu me empenharei para que a justiça seja feita.
- Dr. Romeu, soube que o senhor recebeu um trabalhador da sua fazenda aqui por esses dias. O senhor poderia me informar qual o assunto que queria tratar com esse homem. O nome dele é João da Silva, certo?
O fazendeiro olhou-o e falou:
- O senhor está bem informado. Realmente recebi um empregado meu aqui na mansão, mas o que tem isto a ver com a morte do meu irmão?
- Primeiramente gostaria de saber se o seu falecido irmão tinha participação na fazenda deixada por seus pais ou se já havia vendido sua parte nela.
Dr. Romeu fuzilou-o com um olhar e respondeu:
- A fazenda pertence aos três irmãos, ou melhor, pertencia pois agora com morte de Paulo a sua parte será dividida entre mim e meu irmão que reside no exterior. Mas se o senhor está pensando que tenho alguma coisa a ver com esse crime se engana, pois possuo dinheiro e poder suficientes. Não fique colocando idéias na sua cabeça. E sobre o meu empregado, ele veio aqui para tratar de assuntos da fazenda, coisas que não lhe dizem respeito.
Pacientemente o detetive X respondeu:
- Apenas quero saber por quê o senhor esteve dando o endereço de seu irmão e o nome dele para esse empregado, o João da Silva. Aliás ele já se encontra preso na delegacia.
- O quê? Prenderam meu empregado sem me avisar nada! Vou telefonar para meu advogado e logo ele estará solto, tenha certeza disso. E vá me desculpar, mas estou muito ocupado, nossa conversa termina aqui. Não sei onde o senhor conseguiu essas declarações querendo me prejudicar, mas vou descobrir quem está por trás disso tudo, tenha certeza.
O detetive X agradeceu, levantou-se da cadeira e caminhou em direção à porta de saída. Seus ouvidos atentos perceberam que alguém estivera ouvindo tudo que conversara com Dr. Romeu. Essa pessoa devia ter o hábito de conhecer tudo sobre a maneira de agir desse homem, pois da mesma maneira que estivera escutando aquela conversa deveria ter ouvido tantas outras. Quem seria?
Refletindo, dirigiu-se à delegacia para ter uma conversa com João da Silva. Que estava fazendo esse homem nesse caso? Seria mesmo um assassino? Não lhe parecia ser uma pessoa do mal.
Procurou-o, estava deprimido, nunca pensara em passar por uma situação assim e ainda mais sendo inocente. E conversa vai e conversa vem falou que realmente estivera na casa do Sr. Paulo naquela noite, mas quando entrou a porta estava aberta e ele já estava morto. Ficara surpreso com o que viu e saiu dali correndo com medo que alguém pensasse que ele tinha matado o homem.
A que horas você esteve lá?
- Devia ser mais ou menos 18h15min.
Perguntado se conhecia Sr. Paulo há muito tempo, ele falou que estivera conversando com ele aquela semana, que tinha lhe dado o endereço para aparecer na sua casa quando viesse à cidade e naquele dia ele resolveu lhe fazer uma visita.
O detetive X. nada falou e fingiu acreditar na historia. Apenas falou para o delegado:
- Acho bom dar um jeito para esse homem ficar mais uns dias nesse alojamento, certo?
Chegou a sua casa à noitinha, sentou em sua poltrona predileta e pensou: “tenho que relaxar para pensar melhor”. E assim, foi tomar um banho demorado, pegou um copo de vinho e pôs no aparelho de som uma música clássica. Beethoven era seu preferido, Ode a Alegria da Nona Sinfonia. Ficou ouvindo e procurando inspiração e serenidade.
Eram mais ou menos 20h quando levantou, foi até sua escrivaninha, sentou e começou a escrever numa folha de papel.
Paulo que amava Marlene, que era casada com Romeu, que traia sua esposa com Elza, que o amava. E João por quê entrava na historia?
Romeu não amava sua mulher, usava-a como objeto.
Romeu não amava sua amante , porque não desejava separar-se da esposa.
Romeu não se dava bem com o irmão Paulo, não se falavam.
Romeu era um prepotente, um homem simples como João, teria medo dele sim.
Romeu matou o irmão?
Nessa hora estava com amigos, a não ser que fosse o mandante e tivesse um executante para fazer o serviço.
Por que Romeu enviou Elza ao encontro de Paulo com a desculpa de entregar aquele bilhete de Marlene? Não fazia sentido.
Leu o que tinha escrito uma, duas, três vezes, e de repente deu ... Eureka! Tudo estava claro.
- Já descobri quem matou Paulo de Assumpção.
Ligou imediatamente para o delegado e falou:
- Peça ao Kaká para ligar para essas pessoas que estou citando agora e marque uma reunião às 11h no meu escritório. Todos têm que estar presentes, vou anunciar quem matou Paulo Assumpção e já antecedo que se preparem para trancafiar o assassino no xadrez. Quero a sua presença delegado, com os guardas, tudo vai ser revelado.
Dia 11 de setembro do ano ... às 11h, estavam todos reunidos à espera do detetive X a fim de ouvir o que ele tinha para falar. À medida que passavam as horas a ansiedade tomava conta das pessoas e o nervosismo aumentava. Com uma pontualidade exemplar, chegou o detetive dando bom dia a todos. E sentando-se na sua poltrona começou:
- O plano do Dr. Romeu passado para seu empregado João foi ouvido por uma pessoa que estava sempre a par de tudo que acontecia naquela casa. Desde que ali chegara estava atenta à maneira como Dr. Romeu tratava sua esposa, e notava que não havia afinidades com a mulher embora aparentemente estivessem bem perante a sociedade.
Essa pessoa, ou melhor, essa mulher, começou a se insinuar para o Dr. Romeu e tornou-se sua amante conseguindo afastar o casal cada vez mais. Por sua vez, a esposa traída, percebendo o que acontecia, mas sem ser ouvida em nada dentro dessa mansão, começou a visitar Paulo por saber o quanto ele era diferente do irmão. Dócil, afetuoso e daí nasceu um grande afeto entre os dois.
Costumavam se encontrar às escondidas até que a própria amante do seu marido contou a ele os encontros que sua mulher tinha com o cunhado. Dr. Romeu por sua vez resolveu acabar com o problema de uma vez, com a traição da sua mulher e com a intromissão na sua vida da amante que estava se tornando inconveniente, querendo estar a par de todos os assuntos.
Chamou o empregado da fazenda e lhe ofereceu um valor para que ele desse cabo da vida de Paulo, e ao mesmo tempo forjasse provas de que a assassina seria Elza. Que provas seriam essas? O revolver comprado por ele tinha um pequeno E gravado. A arma era de pequeno porte, usada mais por mulheres e deveria ser deixada junto ao corpo um lenço de cabelo pertencente a Elza, e dado por ele.
Assim se veria livre do irmão traidor e da amante que não lhe satisfazia o ego. Só que Dr. Romeu não sabia que Elza havia escutado toda a conversa e resolveu mudar o plano a seu modo.
Elza notou a indecisão do João, pessoa simples mas honesta, e falou para ele no dia seguinte que Dr. Romeu desistira do plano. Por isso João ficara mais aliviado. Na ocasião Elza pediu a João devolução do lenço e do revolver que Dr. Romeu tinha entregue a ele.
Elza resolveu então se vingar do homem que dizia amá-la e foi até a casa de Paulo e disparou um tiro certeiro com a arma de Romeu que estava no escritório. A seguir deixou lá o bilhete para incriminar D.Marlene, era mais uma prova da sua infidelidade. Usou o silenciador no revolver para que ninguém ouvisse o disparo, e colocou a arma na bolsa, saindo ligeiramente.
Chegando em casa viu que estava tudo normal. Tratou a todos normalmente e colocou o revolver do Dr. Romeu dentro da gaveta do escritório, limpando-o. Aguardou que eu encontrasse o bilhete de Marlene e quando indagada por mim confessou que foi o Dr. Romeu que havia pedido para ela levar à casa de Paulo. Na verdade, Elza pegou o bilhete no quarto de D. Marlene.
Elza amava aquele homem, mas desde que soubera do plano para incriminá-la, resolveu dar um fim a tudo. Ela sabia que talvez pagasse por um crime, mas ele sim havia sido o autor intelectual e ainda com o agravante da vítima ser seu próprio irmão.
- Detetive X minha vida acabou, mas exijo que esse homem preste contas à Justiça pelo mal que fez a tanta gente, interrompeu Elza muito nervosa.
Dr. Romeu, levantou da cadeira e falou:
- Vou chamar agora mesmo meu advogado, você irá para a cadeia mas eu me livrarei dessa sua historia pode ter certeza, não ficarei numa prisão.
Elza olhou com um sorriso sarcástico e falou:
- Antes de ir com o delegado tenho um presente a lhe dar...
Tirou da bolsa o revólver com o E gravado e apontando firmemente para o peito do amante, disparou um tiro certeiro. Dr. Romeu caiu inerte imediatamente no chão.
O caso foi esclarecido, certo ?
Este conto é integrante do livro Nas Asas da Imaginação (2007)
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