O preço do perdão
A noite estava chuvosa e fria. No casebre coberto de telhas velhas, a água escorria para dentro misturando-se com o barro do chão batido, deixando-o pegajoso.
A mulher sentia o corpo alquebrado mas mesmo assim teve ânimo de pegar a criança de apenas cinco anos de idade, aconchegá-la ao peito e cobri-la com um lençol velho que encontrou.
Que fazer meu Deus, nesse momento em que se sentia tão desamparada, sem ter a quem recorrer. Aquelas pessoas que moravam perto estavam em situação igual, pois quando o rio que passava ali perto enchia, a água invadia sua casa e de seus amigos também.
Entrava ano e saia ano e ninguém aparecia para dar um fim aquele estado de coisas. Tempo de política, quando chegava perto de eleger algum candidato para um cargo qualquer, apareciam e pediam o voto de todos, prometendo um mundo de benesses, mas passadas as eleições, continuavam na mesma vidinha de sempre.
Maria estava ali a relembrar tudo isso enquanto apertava nos braços seu filho e nesse momento ouviu um estrondo. Percebeu que não podia esperar mais. Era outra casa que caia levando tudo o que nela continha. E o bem maior que continham essas casas eram as pessoas que ali habitavam, pois móveis não possuíam. O deslizamento provocado pelas chuvas levava barranco abaixo o tesouro maior que possuíam, suas próprias vidas ou de seus familiares.
Tomou uma decisão. Não podia ficar esperando ali sua hora junto com seu filho. Teria que enfrentar o lamaçal lá fora e a chuva torrencial, buscando abrigo em outro lugar. E assim pensando, imediatamente se levantou do velho banco de madeira e enfrentou destemidamente a noite e a chuva.
O barro que se formou colava nos seus pés que afundavam a cada passo. Ela, com Carlinhos nos braços, seguia como uma guerreira para o combate e pedia forças para conseguir chegar a um lugar seguro.
Perseverante, chegou à estrada e ali ficou encolhida com seu filho nos braços debaixo de uma árvore, esperando ajuda sem saber de onde vinha...
Uma luz forte penetrou em sua visão através do nevoeiro. Ela correu para a pista, pegou o lençol e acenou pedindo socorro. Um automóvel parou perto dela. A porta se abriu e uma voz perguntou:
- Estás precisando de ajuda?
- Muito! Graças a Deus o senhor apareceu, minha casa desabou e não tenho para onde ir.
O homem olhou para aquela mulher e a criança que se agarrava a seu pescoço.
- Entra rápido, vou lhe deixar num lugar seguro.
Assim, rapidamente ela entrou com o garoto no carro e pegaram a estrada. Nos primeiros momentos um silêncio pairou no ambiente. Em dado momento, a voz do garoto quebrou o silêncio.
- Mãe, tou com fome e muito frio.
A mulher aconchegou mais a criança contra seu peito, como se com esse gesto de amor e proteção pudesse alimentar seu filho e dar-lhe calor.
Os olhos de Maria encheram-se de lágrimas que começaram a escorrer silenciosamente pelo seu rosto emagrecido.
- Vamos parar naquele barzinho para tomar um café, você e o garoto irão se alimentar e vamos ver o que posso fazer, falou Marcos.
Parou o carro ao lado do bar onde tinha umas mesinhas e ali ajudou-a a descer e pegou o menino no seu colo. Que sensação estranha ele teve. Gostaria de ficar com aquela criancinha nos braços, cuidando dela, protegendo-a do frio e da fome.
Que estava acontecendo com ele? Estava com a sensibilidade à flor da pele. Talvez fosse a lembrança de seu irmão que tinha falecido há apenas um mês, ainda tão jovem. Reconhecia que ele era um irresponsável, pois era dado a bebidas e conquistas amorosas que sempre no final lhe dava problemas.
Enquanto sentava à mesa e pedia café com pedaços de bolo e pães com presunto para ele, a mulher e a criança, lembrou das palavras do irmão. No hospital, em seus últimos momentos de vida, lhe pedira que procurasse seu filho.
Sim, dissera a ele que tinha um filho. A criança nascera de um relacionamento com uma jovem de família. Ela foi expulsa de casa pelo pai quando este soube que estava grávida. O irmão não quisera assumir a criança e ela desaparecera. Ninguém soube para onde tinha ido, em que lugar estava.
Olhando a criança e a mulher a sua frente, Marcos pensava:
- Por onde andará esse meu sobrinho que não conheço e essa mulher que deve estar sozinha, sem arrimo por esse mundo de Deus?
Chegou o café. Maria logo colocou no copo um pouco de leite misturado com o café e tomou um pedaço de pão, fazendo com que seu filho se alimentasse. As lágrimas não cessavam de correr pelo rosto, mas agora era de agradecimento a Deus primeiramente por ter enviado um socorro através daquele moço, e a ele também que nem sabia o nome.
Seus olhares se fitaram. Um com admiração e piedade, outro de alegria e agradecimento. Ela falou:
- Que Deus lhe pague por essa caridade, o senhor salvou nossas vidas, tenha certeza disso. A pé eu jamais conseguiria andar por esse trecho tão longo para pedir ajuda.
Ele nada falou, apenas a olhou com carinho e respeito. E terminado o lanche, abriu o porta mala do carro, tirou dali uma manta e enrolou o garoto, colocando-o novamente nos braços da mãe.
Marcos então falou para a mulher:
- Qual o teu nome e o do garoto?
Ela lhe respondeu:
- Maria, e meu filho tem o nome do pai, embora ele tenha me deixado quando mais precisei. Chamava-se Carlos, e quando fiquei grávida não quis assumir a responsabilidade. Minha família também me abandonou. Minha vida, desde então, foi muito triste senhor, não vale a pena relembrar.
Marcos, tomou um choque, pois seu irmão chamava-se Carlos e antes de morrer lhe dissera que a mulher a quem abandonara chamava-se Maria Guimarães.
- Qual o teu sobrenome mulher?
Ela respondeu Guimarães.
- Eu me chamo Maria Guimarães.
Resolveu levá-la para seu lar. Residia com sua mãe velhinha, e ela ficaria feliz em receber um presente que jamais esperava: um neto, que seria criado com sua família.
Maria tirou de seu coração aquela mágoa, o rancor que existia. Sentia-se mais leve e serena naquele lar cheio de amor.
E após uns dias, depois de tudo esclarecido, quando estavam conversando todos juntos, lembravam da ajuda dada por Deus para que os caminhos desses jovens se entrelaçassem e fossem felizes. Assim a justiça estava feita.
Para os leitores terem conhecimento depois de uns meses foi realizado o casamento de Marcos com Maria, pois encontraram afinidades e sentimentos semelhantes.
Este conto é integrante do livro Nas Asas da Imaginação (2007)
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